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A Lógica contra os males do negacionismo

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Fake news. Desinformação. Ludíbrio. Brincadeira. Inverdade. Engano. Desvio. Falta. As "notícias falsas" surgiram bem antes do advento da Internet. Assim como a estratégia política de usá-las para fomentar o medo e o controle da população. Dentre todos esses termos, um resume os demais: mentira. "Um assunto fascinante e muito importante para a Lógica, a mentira envolve essencialmente a intenção de enganar", diz Guilherme Araújo Cardoso, doutor em Filosofia e professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
 
Para o convidado deste "Em Discussão", as preocupações da Filosofia são as preocupações de todo mundo. No entanto, antes de oferecer respostas, ela nos oferece caminhos para o exercício do raciocínio lógico, pois apesar de "sermos capazes de resolver problemas complexos, somos capazes ainda da fantasia, do preconceito e do auto-engano".
 
Em uma conversa virtual, o pesquisador explicou algumas relações interessantes entre a Lógica, como disciplina fundamental da Filosofia, a sociedade, a ciência e o cotidiano. Entre elas está, por exemplo, a distinção entre falsidade e verdade; crenças e realidade; e o "negacionismo" como "o pior tipo de irracionalidade e irresponsabilidade epistêmica."
 
Do ponto de vista lógico, o que distingue os céticos dos negacionistas?
 
O ceticismo é caracterizado como uma posição filosófica perante o mundo. É mais uma atitude do que propriamente uma tese. Os céticos suspendem o juízo acerca das proposições sobre as quais são céticos. Assim, por exemplo, o ceticismo acerca da existência de Deus não coincide com a tese da sua inexistência, mas consiste na suspensão do juízo acerca de toda a questão. O ceticismo é uma atitude responsável e crítica, do ponto de vista epistêmico, que, por vezes, exige critérios muito rígidos, até inalcançáveis, para atingir o conhecimento. [Exige] um esforço de resistência em relação ao dogmatismo e à mera reprodução irrefletida de ideias. 
 
Já o negacionismo é um fenômeno psicológico (eventualmente, social). Não se trata de uma tese nem de uma atitude filosófica perante o mundo. Os negacionistas rejeitam crenças consensualmente aceitas, como teorias científicas fortemente corroboradas, experimentos inquestionáveis e previsões muito bem amparadas. Dois exemplos clássicos são o "terraplanismo" e a negação do aquecimento global. Eles não se apoiam em teorias científicas, não se apoiam em interpretações alternativas para os mesmos dados observacionais, mas apenas em desinformação e mentiras. 
 
Ou seja, duvidar é legítimo, desde que não se desconsidere ou desobedeça às normas que regem o comportamento coletivo, quando são racionais e justas...
 
Sim. Mesmo se houver algum tipo de impasse conceitual exagerado o suficiente para erigir argumentos céticos em torno destas questões (o "terraplanismo" e o aquecimento global, como dito acima), não é sobre esses impasses que se apoiam os negacionistas. Os negacionistas estão na direção oposta daquela que foi trilhada e pavimentada pelos céticos. Enquanto os céticos superestimaram ou, ao menos, viciaram o papel desempenhado pela justificação na formação de crenças, os negacionistas exemplificam o pior tipo de irracionalidade e irresponsabilidade epistêmica. É interessante notar que o cético é uma espécie de idealização filosófica, na medida em que, como muitos defensores do ceticismo reconhecem, não é possível ser rigorosamente cético em situações reais. Por outro lado, o negacionismo é, antes de mais nada, a constatação de um fenômeno; é antes a descrição de um modo como as pessoas reproduzem certas crenças do que uma teoria sobre como as pessoas deveriam ou não crer.
 
E como a Lógica nos auxilia a verificar a relação entre nossas crenças e a "realidade factual"?
 
Veja: aquilo em que acreditamos pode ser tanto verdade ou mentira, pois a verdade independe de nossas crenças. Você pode acreditar, por exemplo, que a Terra é plana ou que vinagre com limão e alho cura aqueles acometidos com a Covid-19. Nesse caso, suas crenças são falsas. Pode causar algum desalento, mas acreditar muito naquilo que você gostaria que fosse verdade é um projeto que pode (e muitas vezes vai) fracassar. Além disso, também é importante notar que não temos controle sobre as nossas próprias crenças. Isso explica, em partes, como podemos temer coisas que, no fundo, sabemos que não existem.
 
Eventualmente, também podemos acreditar em determinadas verdades, o que por si só não é garantia de conhecimento. Outro exemplo: uma pessoa acredita, contra todas as evidências, que seu time de futebol vai ganhar o campeonato. O time acaba ganhando, e essa pessoa se mostra certa, afinal. Mas isso é pura sorte. Essa pessoa nunca soube, realmente, que seu time poderia vencer a partida, percebe? Conhecimento, entretanto, não é sorte. Uma definição clássica de conhecimento oferecida por epistemólogos é a seguinte: conhecimento é crença verdadeira e justificada. Há uma longa discussão em torno dessa definição, mas ela nos basta por aqui. 
 
Como podemos entender, então, a mentira?
 
A mentira é um assunto fascinante e muito importante para a Lógica. Antes de mais nada, devemos notar que "mentira" difere de "falsidade". É possível mentir dizendo coisas verdadeiras, assim como é possível ser honesto dizendo coisas falsas. O falso blefe em jogos de estratégia, por exemplo, oferece ocasiões para mentir dizendo verdades. Por outro lado, se aviso aos meus colegas que "amanhã só vou dizer coisas falsas" e digo, no dia seguinte, que "a Terra é plana", estou sendo honesto com minha promessa, mesmo que tenha dito algo falso. A mentira, por sua vez, envolve a intenção de enganar. E isso é muito importante. 
 
Nesse sentido, como a Lógica pode nos auxiliar a averiguar o que é mentira e o que é, por assim dizer, um equívoco por desatenção?
 
Em Filosofia da Lógica, o conceito de verdade é confrontado com paradoxos e muitas interpretações alternativas. Os aspectos excedentes dessa comparação são chamados de aspectos intencionais. Assim, surgem teorias interessantes na interseção entre a Lógica e a Filosofia da Lógica sobre a comunicação, sobre as intenções comunicativas e como elas se relacionam com o significado do que é dito. Uma compreensão ampla do conceito de mentira, portanto, envolve essencialmente a Lógica. Mas ainda existem outras perspectivas, como as que estudam o fenômeno a partir de seu ponto de vista social e psicológico, que também oferecem perspectivas interessantes. 
 
Entretanto, existe outro campo de aplicação da Lógica que pode se relacionar diretamente com pesquisas empíricas sobre a mentira e sobre o negacionismo, as Teorias da Informação. Aqui, a Lógica se relaciona diretamente com a Inteligência Artificial. Este "encontro" interessa aos lógicos por oferecer um modelo ou representação do fluxo informacional. Nesse sentido, a Lógica também se interessa pelo fenômeno da mentira enquanto mecanismo automatizado de desinformação — entendendo o termo como uma rede orquestrada de mentiras, que intencionam levar o leitor ao equívoco. O estudo lógico destes mecanismos pode ser útil, por exemplo, para a confecção de algoritmos que reconheçam a desinformação, um movimento que surgiu muito antes da Internet e que move há muito tempo os estudos em Filosofia.
 
EM DISCUSSÃO - Esta seção é ocupada por uma entrevista, no formato pingue-pongue, realizada com um integrante da comunidade ufopiana. O espaço tem a função de divulgar as temáticas em pauta no universo acadêmico e trazer o ponto de vista de especialistas sobre assuntos relevantes para a sociedade.
 
Veja todas as entrevistas publicadas.

 

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