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Barragem de Fundão: impactos persistem depois de seis anos do rompimento

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Às 16h20 do dia 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão, propriedade da mineradora Samarco, rompeu-se no distrito de Bento Rodrigues, no município de Mariana, atingindo dezenas de cidades, rios, famílias, vidas e sonhos, deixando um rastro de destruição e morte por onde a lama passou. 
 
Um dos lugares mais afetados foi o distrito de Bento Rodrigues. Seis anos após a tragédia, dezenas de famílias ainda aguardam a reconstrução de suas casas para tentar retomar parte de suas rotinas. Muito trabalho tem sido desenvolvido com a sociedade, para que a justiça seja feita e as famílias atingidas sejam reparadas pelos danos e mortes causados pelo rompimento. 
 
O "Em Discussão" desta semana traz a professora do Departamento de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) Tatiana Ribeiro de Souza. Ela é coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (Gepsa), que realiza ações no âmbito da pesquisa e da extensão direcionadas às vítimas do rompimento da barragem de Fundão. 
 
Professora Tatiana, gostaria que você apresentasse o trabalho do (Gepsa) da UFOP e dissesse qual é a importância do Gepsa para os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão?
 
O Gepsa foi criado após o rompimento da barragem de Fundão, por um grupo de professoras e professores de diversos departamentos da UFOP, para acompanhar o processo de reparação dos danos causados às pessoas atingidas, contribuindo, por meio dos saberes acadêmico-científicos, com a defesa dos direitos dessas pessoas. A formação do grupo se deu pela convergência de posicionamento político e acadêmico de um grupo de docentes da UFOP em relação ao desastre causado pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, as duas últimas acionistas da primeira. A UFOP forma muitos profissionais que atuam na mineração e entendemos que, em razão disso, há uma enorme responsabilidade na formação desses profissionais, que deve ser compromissada com todas as formas de proteção da vida e da natureza. Na época do rompimento da barragem de Fundão, ouvimos muitos discursos direcionados a uma certa desresponsabilização das mineradoras, o que causou indignação entre as/os docentes que têm compromisso com a defesa dos Direitos Humanos e dos grupos sociais vulnerabilizados. Diante desse cenário, passamos a nos reunir e fazer visitas de campo, a fim de saber como a Universidade poderia ser útil para a defesa dos direitos das pessoas atingidas, porque consideramos que quem sabe o que deve ser reparado e a melhor forma de promover a reparação de danos são as próprias pessoas atingidas. 
 
Quais trabalhos foram realizados diretamente pelo Gepsa durante esse tempo de atuação com os atingidos? Quais resultados você pode elencar?
 
Ao longo de quase seis anos de existência, o Gepsa já desenvolveu diversos projetos de pesquisa e extensão, além de ter realizado uma série de publicações, eventos e serviços técnicos relacionados com o processo de reparação de danos do desastre de Fundão. Nossa principal atuação vem ocorrendo no município de Barra Longa, que foi o único município que teve a sua sede atingida pelos rejeitos provenientes da barragem de Fundão. Em Barra Longa desenvolvemos, em 2016, o projeto de extensão "Narrativas Atingidas", que resultou na produção de dois vídeos sobre a comunidade de Gesteira, vítima do deslocamento compulsório e sujeita ao reassentamento involuntário, os "Cadernos de Gesteira", com uma cartografia das perdas sofridas por alguns núcleos familiares com direito ao reassentamento; e uma cartilha sobre o direito das pessoas atingidas à assessoria técnica independente e paga pelas empresas causadoras dos danos. Essa cartilha foi usada posteriormente no restante da Bacia do Rio Doce e também na Bacia do Rio Paraopeba, após o rompimento da barragem de Brumadinho. Além do trabalho realizado em Barra Longa, desenvolvemos os "Cadernos Cartográficos" para alguns núcleos familiares das áreas rurais de Mariana, em projeto realizado junto à Cáritas Regional Minas Gerais, que atua como assessoria técnica das pessoas atingidas de Mariana. Também realizamos anualmente o seminário de balanço do rompimento da barragem de Fundão, que é organizado pela Rede de Pesquisa Rio Doce, formada pelo Gepsa e pelos grupos de pesquisa CRDH/UFJF, PoEMAS/UFJF, Homa/UFJF e Organon/Ufes. Junto com a Rede de Pesquisa Rio Doce e o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, também produzimos o podcast "Cava: Mineração em Debate". 
 
Como você avalia a situação atual dos atingidos? Considera que o que foi feito pelas autoridades competentes, pela empresa responsável pelo rompimento (Samarco) e pela Fundação Renova (criada pela Samarco para reparar os danos causados pelo rompimento) foi satisfatório?
 
A situação atual das pessoas atingidas é de profunda insegurança em relação à reparação a que têm direito. Infelizmente os acordos feitos pelas mineradoras responsáveis pelo desastre não vêm sendo cumpridos, o que resultou em uma "repactuação", iniciada em 2021 sob a coordenação do "Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão" do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
 
O problema é que não é muito promissor repactuar com quem não cumpre os pactos que faz. Além disso, as pessoas atingidas mais uma vez não estão participando das negociações para o novo acordo e também não podem contar com uma assessoria técnica, pois as entidades escolhidas pelas Comissões de Atingidos ao longo da Bacia do Rio Doce, em processo coordenado pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos, ainda não foram contratadas por inércia do Poder Judiciário. 
 
Em relação às pessoas que sofreram o deslocamento compulsório e perderam as suas moradias e territorialidades, a situação é ainda mais grave, tendo em vista que nenhum reassentamento foi concluído até o presente momento e, no caso de Gesteira, o anteprojeto de parcelamento do solo sequer foi homologado pela Justiça Federal, onde tramita o processo relativo ao desastre de Fundão. É muito triste dizer isso, mas o sistema de Justiça brasileiro não está preparado para lidar com casos de alta complexidade e não foi capaz, até o presente momento, de garantir os direitos das pessoas atingidas nem de responsabilizar civil e criminalmente as empresas causadoras dos danos.
 
Juridicamente, como percebe o direcionamento da responsabilização da Samarco, da Vale e da BHP Billiton? Qual sua expectativa em relação ao julgamento?
 
Os crimes cometidos com o rompimento da barragem de Fundão têm repercussão em três esferas distintas: trabalhista, civil e criminal. Eu, particularmente, não acompanho os desdobramentos de natureza trabalhista, tanto porque não é a minha área de atuação, quanto em razão do segredo de justiça envolvendo essas ações de indenização. Na esfera criminal, a responsabilização ainda não ocorreu e ainda houve a desconsideração de alguns tipos penais apontados pelo Ministério Público Federal na denúncia. Além disso, existe um grande receio de que ocorra impunidade em razão da prescrição. Na esfera civil, a responsabilização implica no dever de reparação integral, que significa tomar todas as medidas necessárias para que ocorra a devida restituição, indenização, mitigação, compensação, e satisfação das vítimas, e não repetição dos danos. Entretanto, o juiz que atua no caso do rompimento da barragem de Fundão se inspirou na teoria da "Rough Justice" (justiça possível), de origem anglo-saxônica, que não é compatível com o que a legislação brasileira determina para os casos envolvendo danos ao meio ambiente, e vem decidindo de maneira a minimizar a responsabilização das empresas causadoras dos danos. 
 
Hoje, a Samarco está voltando a atuar na área de mineração na cidade de Mariana. Há um debate que vem acontecendo há bastante tempo, sobre se a empresa deveria voltar a atuar na cidade e como isso deveria acontecer. Como você enxerga a volta da empresa à cidade, entre as consequências para a economia local e a possibilidade de novos rompimentos acontecerem?
 
Eu considero que a responsabilização das empresas deve levar em consideração os impactos socioeconômicos causados também pela paralisação das suas atividades e que os municípios afetados devem receber os valores correspondentes à reparação desses danos enquanto eles durarem. Além disso, o retorno das operações deveria ficar condicionado ao cumprimento do dever de reparar integralmente os danos causados, pois dessa forma as empresas teriam interesse no cumprimento do dever de reparar, para retomar a sua atividade econômica. A forma como o licenciamento para o retorno das operações da Samarco aconteceu passa dois recados muito perigosos: de que a vida das pessoas atingidas não importa e de que o crime compensa.
 
O que você acha que pode ser feito para que outras tragédias, como a de Brumadinho, não voltem a acontecer? Quais medidas jurídicas podem ser tomadas para que mais vidas não sejam destruídas por crimes ambientais?
 
Para que não ocorram outros desastres-crimes envolvendo barragens da mineração é necessário que o crime não compense. Isso só vai acontecer se as instituições de justiça cumprirem adequadamente o seu papel; se houver punição para as pessoas que tinham o dever de evitar o rompimento das barragens; se todas as pessoas que sofreram danos em decorrência do rompimento da barragem tiverem a reparação devida e se a sociedade entender que todo mundo é afetado pelo atual modelo de mineração no Brasil. 
 
EM DISCUSSÃO - Esta seção é ocupada por uma entrevista, no formato pingue-pongue, realizada com um integrante da comunidade ufopiana. O espaço tem a função de divulgar as temáticas em pauta no universo acadêmico e trazer o ponto de vista de especialistas sobre assuntos relevantes para a sociedade.
 
Confira todas as entrevistas já publicadas.  

 

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