Em menos de três anos, Minas Gerais foi marcado por duas tragédias: em 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão, no subdistrito de Bento Rodrigues, e, em 25 de janeiro de 2019, o rompimento de barragem Córrego do Feijão, em Brumadinho.
Três anos depois da tragédia na região metropolitana de Belo Horizonte, que contabilizou 270 mortos, incluindo seis desaparecidos, o Em Discussão busca trazer uma atualização sobre a situação das barragens no estado. O entrevistado é o professor Hernani Mota de Lima, do Departamento de Engenharia de Minas.
Na conversa, Hernani fala sobre algumas mudanças que empresas e governo trouxeram para evitar que novas tragédias ocorram, além do papel da Universidade frente ao que já aconteceu — principalmente a UFOP, que é referência na área de Engenharia de Minas e faz parte da comunidade marianense desde 1979.
Professor, para a comunidade da UFOP a memória dos rompimentos das barragens de Mariana e de Brumadinho continua muito viva. Qual deve ser o papel da Universidade na preservação do debate sobre esses rompimentos?
O papel da Universidade é promover/fomentar eventos que tratem da questão das barragens de rejeitos, alternativas de usos dos rejeitos, fechamento de barragens, minimização dos impactos nas comunidades vizinhas, e apoiar a participação da comunidade impactada no debate e na busca conjunta de soluções. Ouvir a comunidade impactada é a maior necessidade, e, para isso, romper os muros da universidade, da discussão puramente acadêmica para uma discussão com a sociedade, é fundamental.
Em 2020, a Samarco retomou as atividades de extração de minérios em Mariana. Quais são as principais diferenças em relação às normas de segurança desta retomada em comparação ao cenário de 2015?
Já houve várias mudanças e estão ocorrendo outras significativas. Após Fundão, passou-se a exigir a instalação de sirenes e a cobrar das empresas o Plano de Ação de Emergências de Barragens de Mineração (PAEBM), que tem como principal objetivo minimizar o risco de perdas de vidas humanas. Ademais, proibiu-se a construção de novos barramentos alteados pelo método de montante e definiu-se um prazo para fechamento (descaracterização, segundo a FEAM e a ANM) para as barragens de rejeitos alteadas por montante. Além das sirenes de aviso de falhas nas barragens, a partir de 2015 passou-se a exigir a instalação de câmeras e centros de monitoramento de barragens por parte das empresas. O que nós sabemos hoje sobre a ruptura da barragem em B1 em Brumadinho é graças a essas câmeras. A imagens gravadas foram e são de grande importância na análise das causas e para evitar futuros desastres.
Do ponto de vista de fiscalização por parte das agências governamentais (ambiental e mineral), houve também um avanço quanto à formação de equipes. Entretanto, cabe ressaltar que o número de técnicos ainda é baixo para realização das devidas vistorias.
Quando olhamos o panorama recente das barragens brasileiras, talvez uma das coisas mais surpreendentes seja a ocorrência de dois rompimentos desastrosos no período de três anos: em 2015 a barragem da Samarco, em Mariana, e em 2019 a barragem da Vale S.A, em Brumadinho. O que já foi feito e o que deve ser realizado para evitar que tragédias como essas se repitam?
A exigência do fechamento/descaracterização das barragens de alteamento de montante foi uma etapa fundamental. Juntamente com isso, há que se considerar a mudança dos sistemas de gestão de barragens por conta das empresas para evitar novas tragédias. Em adição, as empresas estão migrando da disposição de rejeitos em polpa em barragens para a filtragem de rejeitos e sua disposição em pilhas. Como exemplo disso tem-se a CSN, a Vale em algumas minas e a Samarco, onde a fração lama do rejeito está sendo lançada numa cava e a fração areia, rejeito grosseiro, está sendo filtrada e codisposta com o estéril em pilhas.
Com o crescimento da demanda pelo minério de ferro no mercado internacional, a mineração na Região dos Inconfidentes tem obtido um faturamento considerável. Também por isso, você considera que as ações realizadas pelas empresas para reparação são suficientes? Ou elas poderiam estar fazendo mais?
Sim, o faturamento tem sido considerável graças ao aumento da demanda e ao aumento do preço do minério de ferro. Minha expectativa e meu desejo é que sejam reparadas em toda a plenitude e num curto período. Mas é sabido que os impactos socioeconômicos e culturais dificilmente serão.
Tenho certeza de que as empresas de mineração podem e devem fazer mais. Recursos financeiros têm para isso. É preciso que se tenha uma política mais ativa para a questão mineração e sociedade. O valor a ser dado, por parte da empresa e do governo, quanto à Licença Social para operar, precisa ser maximizado. Do ponto de vista científico, da academia, rogo que as empresas financiem projetos de pesquisa tecnológicos, socioeconômicos, na saúde e na educação em prol de uma mineração sustentável.
EM DISCUSSÃO - Esta seção é ocupada por uma entrevista, no formato pingue-pongue, realizada com um integrante da comunidade ufopiana. O espaço tem a função de divulgar as temáticas em pauta no universo acadêmico e trazer o ponto de vista de especialistas sobre assuntos relevantes para a sociedade.
O rompimento da barragem de Fundão foi assunto de outra entrevista, com a professora Tatiana Ribeiro.
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