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Equidade de gênero no mercado de trabalho: desafios e estratégias

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Por muito tempo, em nossa sociedade, mulheres foram privadas da vida pública e de decisões econômicas e políticas, vivendo exclusivamente para cuidar da família, dedicando tempo e trabalho para o crescimento de outras pessoas. Aquelas que trabalhavam fora de casa se dedicavam a cuidar da casa e da família dos mais ricos. Avanços significativos aconteceram ao longo dos anos, como a luta das mulheres pelo direito ao voto e de participação em determinadas decisões que afetam suas vidas. 
 
A duras penas, conquistaram certo espaço nas esferas pública e profissional. Entretanto, nos espaços públicos ainda encontram preconceito e discriminação quando o assunto é equidade de gênero. 
 
O Fórum Econômico Mundial em 2020 apontou no relatório sobre a igualdade um expressivo retrocesso no campo do trabalho. Segundo o estudo, para que exista igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho serão necessários ainda mais de dois séculos. 
 
Para marcar o Dia Internacional da Mulher, o Em Discussão desta semana traz um debate sobre equidade de gênero no mercado de trabalho, igualdade salarial, maternidade e carreira acadêmica. A entrevista desta semana é com a professora Eva Bessa, do Departamento de Engenharia de Produção do Instituto de Ciências Exatas e Aplicadas (Icea), no campus da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em João Monlevade. Eva pesquisa as relações de gênero na academia e em cargos de poder. 
 
Professora, sua tese investigou as relações de gênero na academia com docentes e pesquisadoras do Brasil e Portugal. Há uma diferença muito grande entre o que é feito pela equidade de gênero na ciência e no mercado de trabalho aqui no Brasil e em outros países? Podemos dizer que existem mudanças acontecendo no nosso país atualmente?
 
Na verdade, não tem diferença. Eu tive a oportunidade de fazer meu estágio doutoral em Lisboa, entrevistei pesquisadoras da Universidade de lá. Eu pude perceber que o que mostra a literatura e a prática está muito parecido. A diferença entre mulheres e homens, principalmente nos cargos mais altos, é grande. No momento em que eu escrevi minha tese, no período de 2015 a 2019, nós tínhamos, se não me engano, em 56 universidades federais brasileiras, três ou quatro reitoras, que é considerado o cargo mais alto da academia. E se verificarmos todos os demais cargos de poder, as mulheres ainda são minoria. E sobre mudanças, eu ainda não vejo, apesar das nossas lutas, nosso esforço enquanto mulheres e acadêmicas. Nós temos estudado mais, muito mais em relação aos homens, mas tem o afunilamento. Dependendo da área, as mulheres são minoria. 
 
Quais são os desafios para encorajar as meninas e mulheres a ingressarem no campo da ciência e tecnologia, visto que esse é um mercado majoritariamente masculino?
 
Acredito que não tenha muitos desafios, muitas mulheres já perceberam que o caminho da luta contra o machismo é sair de casa, dividir os trabalhos domésticos, começar no âmbito doméstico mesmo. Continuar o que a gente vem fazendo, estudar, estar presente, ir nos cursinhos pré-vestibular, no ensino médio, estar sempre conversando com as meninas. O nosso desafio é dizer para as garotas que elas podem estar no lugar que elas quiserem, não precisam estar apenas nas áreas de cuidado, e ressaltar que a matemática não é uma área masculina. Deveríamos também ter educação financeira e sexual nas escolas, mostrar que não precisam se casar e ter filhos logo quando completam 20 anos, que elas podem conquistar a independência financeira delas primeiro, ter a opção de escolher.
 
As mulheres encontram diversos desafios, barreiras e preconceitos no mercado de trabalho. Podemos dizer que essas questões estão ligadas ao ideal do trabalhador masculino, fundamentado em uma tradição de meritocracia da sociedade patriarcal?
 
Sim, com certeza. Tem algumas partes da minha dissertação que as mulheres abordam a questão da importância de você ter que esconder o corpo. A mulher precisa se esconder em um uniforme, as empresas colocam um uniforme padronizado e esse padrão é masculino. Eles cobram o mesmo desempenho, da mulher e do homem. Então, se você é mãe e, do nada, se você precisa acompanhar seu filho no médico, eles dizem que esse problema é seu. Você tem que dar conta do seu filho e ainda te cobram um desempenho igual ao colega masculino. É esse ideal masculinizado que não está interessado em flexibilizar nada.
 
Na sua pesquisa você traz dados a respeito da inserção das mulheres na academia, que é maior em comparação com os homens. Existem também dados que mostram que a permanência e o crescimento das mulheres dentro da academia e em cargos de gerência são menores. Quais os motivos para esses números caírem quando olhamos para o crescimento profissional?
 
É triste a gente falar, mas é o machismo, o patriarcado que está presente. Às vezes ele é velado e discreto, outras vezes é descarado. Nós temos essa herança patriarcal, machista, que vem de Portugal. Não é por acaso que meu orientador conversou comigo e falou: "Seria interessante você ir para Portugal, avaliar se lá as coisas têm mudado". Não tem, eu fiquei assustada. As coisas não tem mudado por lá. O patriarcado lá com certeza é muito mais forte do que aqui. Eu acho que aqui nós estamos batalhando muito, a gente fala a respeito, temos debates, eventos científicos onde falamos abertamente. Lá não. As mulheres ainda continuam sendo caladas, silenciadas. Cheguei a entrevistar uma professora aqui no Brasil, ela foi para a área de finanças por uma grande paixão, e em um determinado momento tinha ela e mais 50 colegas masculinos na sala de aula, ela levantava a mão e fazia pergunta, o professor dizia assim: "Eu não sei o que uma mulher vem fazer na área de finanças, mulher tá sempre fazendo pergunta burra".
 
Outro ponto importante da sua pesquisa é a problemática das estruturas sociais que há muito tempo impõem às mulheres os trabalhos relacionados ao privado, como o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos. Esses trabalhos que não são remunerados são muito importantes para que a sociedade funcione, mas para uma sociedade que busca a equidade de gênero, é essencial que sejam revistos os papéis masculinos e femininos. Quais estratégias podem ser tomadas para que mulheres e homens consigam conciliar igualmente a esfera privada familiar com a vida profissional?
 
Eu me lembro que na conclusão da minha tese o meu desafio era esse. Levantei muitas coisas que a literatura traz, verifiquei também na prática. Eu queria fazer um fechamento assim dizendo: "há esperança". Eu ainda acredito, desde 2019, quando eu fiz o fechamento da minha tese. Em relação às expectativas, o que a gente pode pensar? Porque também não seria as mulheres não mais se casarem, não terem mais filhos, é claro, se alguém quiser fazer isso, ótimo, mas eu acredito que o casamento é possível, diálogo é possível. O casal pode optar ter quantos filhos quiserem, os dois podem investir sim na carreira. Existem algumas estratégias. Eu coloquei principalmente o diálogo, as pessoas conversarem a respeito de que não é porque a mulher engravidou, teve que fazer uma interrupção ali na sua carreira profissional, que ela vai ter que fechar sua possibilidade de crescimento. Ambas as carreiras são importantes.
 
Para além das questões de inserção e permanência nos campos majoritariamente masculinos, existe também a diferença salarial. Sabemos que muitas mulheres ocupam o mesmo cargo que homens dentro da mesma instituição e recebem menos pelo seu trabalho. Qual o fator gerador desse problema? O que pode ser feito para acabar com a desigualdade salarial?
 
No âmbito federal, não cheguei a perceber essa diferença salarial em ocupantes de mesmo cargo, porque tem a questão do concurso, então os dois se submeteram ao mesmo edital, o salário acaba que vai ser o mesmo. Mas antes de entrar na academia, eu trabalhei com gestão de pessoas por 15 anos, talvez eu possa falar mais da área privada do que da área pública. Na rede privada, essa questão da desigualdade salarial é grande. A gente percebe aqui no Brasil que temos a questão da nomenclatura, você vê as duas pessoas fazendo o mesmo trabalho e ganhando salários diferentes. E quando você questiona, a justificativa é que o homem é analista 1 e a mulher analista 3. Já em Portugal, é gritante. Tem por exemplo as áreas de produção, o auxiliar de produção, que é considerado um cargo inferior, tem homens e mulheres nesses cargos ganhando salários discrepantes. As mulheres ganham 40 por cento do que os homens ganham. E a justificativa é que sempre foi assim, porque as mulheres sempre ganharam menos neste cargo. Para melhorar essa situação, a luta tem que continuar. Eu inclusive sou sindicalizada, acredito muito na luta sindical, na ação coletiva. Eu não acredito que individualmente a gente consiga, porque mesmo no coletivo a luta tem sido árdua e complexa. As mulheres têm que estar mais presentes. Os sindicatos a gente percebe que têm muito homem, temos que impor mais essa necessidade da igualdade salarial.
 
Quando falamos sobre equidade de gênero no mercado de trabalho e na academia, não podemos deixar de falar da dificuldade ainda maior que é a inserção de mulheres negras, pessoas trans e PCDs. Durante a sua pesquisa, você teve contato com essas discussões? Em uma visão geral do mercado de trabalho, o que pode ser feito para a inclusão de mulheres negras, trans e PCDs em cargos de poder e dentro da academia?
 
Durante a minha pesquisa eu não abordei esse tema, eu entrevistei 33 docentes do nível mais alto. Nas 33, não entrevistei nenhuma mulher negra, PCDs e nem trans. Duas, me lembro que vieram de baixo, que tiveram uma vida muito precária. As demais me pareceram pessoas que já nasceram no âmbito da academia, os pais já eram acadêmicos. De repente, nós poderíamos até levantar uma questão social, talvez elas conseguiram chegar a esse nível de hoje, serem profissionais que têm doutorado e pós-doutorado fora do país, que falam dois idiomas fluentemente, por ser uma coisa que já vem sendo estimulada desde de criança. O que podemos fazer a favor dessa questão de inclusão, volto na questão do coletivo. Precisa estar consciente. Não apenas fazer essas discussões, mas convidar também essas pessoas, essas minorias para fazer parte delas. Outro ponto é a escolarização, formação profissional. As minorias não são chamadas, elas não são aceitas, e quando decidem que vão estudar são discriminadas. Mostrar que esse espaço da academia é delas também, que elas podem e devem ocupar esse espaço. 
 
Para fechar, queríamos trazer o tema da maternidade, um dos fatores que transpassam a vida de muitas mulheres. No Brasil, a licença maternidade é de 120 dias, enquanto a licença paternidade é de 5 dias, e isso mostra como o cuidar está atrelado ao feminino na nossa sociedade. Como as mulheres podem conciliar todos os  trabalhos, remunerados ou não, e cuidar também da saúde mental e física?
 
É a pergunta de um milhão. Todas nós estamos em busca dessa resposta. Porque algumas mulheres acreditam que só serão felizes e realizadas quando elas se casarem, tiverem filhos e um esposo que as ajudem em tudo e que elas consigam se realizar na carreira, mas às vezes a mulher tem tudo isso e está cansada, estressada, muitas vezes tomando antidepressivos. O uso de medicamentos para ansiedade está sendo assim quase que um ponto comum. A maioria das mulheres estão medicadas e acreditam que sem isso não conseguem dormir, não conseguem relaxar. Usam isso como forma de mascarar, por exemplo, a coragem de ir até um psicólogo. Muitas vezes no contexto dessas mulheres é feio dizer que está sendo acompanhada psicologicamente ou significar e simbolizar um fracasso. Então, acho que esse cuidado com a saúde mental passa por essa coragem de ir até um profissional. Ela precisa descobrir o que a está deixando naquele estado, se é o excesso de preocupação, a sobrecarga de responsabilidades ou a dificuldade de buscar um apoio. É importante pedir apoio. Quanto mais o tempo passa, mais a sociedade moderna está cobrando de nós mulheres. A gente precisa dar conta de tudo, ser magra, bonita e sorridente. A gente não tem que se sobrecarregar desse jeito, se a gente não estiver dando conta, precisamos ter espaço para pedir ajuda, antes que o mundo desabe.
 
EM DISCUSSÃO - Esta seção é ocupada por uma entrevista, no formato pingue-pongue, realizada com um integrante da comunidade ufopiana. O espaço tem a função de divulgar as temáticas em pauta no universo acadêmico e trazer o ponto de vista de especialistas sobre assuntos relevantes para a sociedade. 
 
Confira todas as entrevistas publicadas. 

 

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