
Criado por João Vitor Souza em seg, 02/06/2025 - 16:48 | Editado por João Vitor Souza há 3 semanas.
A roda de conversa reuniu estudantes, profissionais da educação, servidores da Universidade e membros da comunidade externa para discutir o Transtorno do Espectro Autista (TEA), por meio de relatos pessoais e reflexões sobre inclusão e respeito à neurodiversidade. O evento, promovido pelo Centro de Saúde da UFOP em parceria com o Programa Sala Aberta, foi realizado na sexta (30), no auditório do Centro de Educação Aberta e à Distância (Cead), no campus Morro do Cruzeiro, e transmitido pelo YouTube.
O TEA é um distúrbio caracterizado por alterações no neurodesenvolvimento que podem afetar a comunicação (tanto verbal quanto não verbal), a interação social e o comportamento. Entre as características mais comuns estão ações repetitivas, hiperfoco em objetos específicos e restrição de interesses. Dentro do espectro, os níveis de comprometimento variam. Há pessoas com leve dificuldade de adaptação e vida independente, assim como casos que exigem apoio contínuo para atividades cotidianas ao longo da vida.
AUMENTO DOS DIAGNÓSTICOS - Apesar dos avanços na área da saúde e da educação, o TEA ainda é cercado por desinformação e estigmas. A psicóloga do Centro de Saúde da Universidade, Patrícia Ribeiro, defendeu a necessidade de um olhar mais empático da sociedade para a complexidade do tema e principalmente para as famílias, "que são demandadas de forma integral e por muitas vezes exaustiva". Ela também destacou o crescimento do número de diagnósticos. Segundo a OMS, em 2004, a cada 166 pessoas, havia uma pessoa com laudo de autismo; em 2012, havia uma a cada 88 pessoas; já em 2018, havia uma a cada 59 pessoas; e em 2020, uma a cada 54 pessoas. "Houve um crescimento considerável de diagnósticos durante a pandemia, já que as famílias ficaram muito próximas e puderam se observar melhor. É urgente uma preparação social, já que a expectativa para daqui a cinco anos é de um caso para cada oito pessoas", complementou a psicóloga.
"Estamos de frente a uma diferença funcional que não é visível, então é interessante suspender o julgamento e enxergar aquela pessoa como ela é. A antiga definição de deficiência, ou diferença funcional, ditava a forma como as pessoas agiam em relação às pessoas com deficiência", explicou Patrícia. Para ela, o modelo social aponta para uma sociedade "que precisa se reabilitar e trabalhar suas próprias deficiências e barreiras, como as barreiras atitudinais, arquitetônicas, comunicacionais, tecnológicas e urbanísticas, para receber essas pessoas e possibilitar que elas exerçam plenamente seus direitos", finalizou.
Para Daniel Bicalho, diretor do Núcleo de Tecnologia de Informação (NTI) da Universidade e pai de uma criança neurodivergente com transtorno autista, o maior desafio é lidar diariamente com o julgamento social. "Mesmo com toda a gama de campanhas e projetos midiáticos de conscientização muito bons que estamos construindo, o que falta é a conscientização no dia a dia. Enquanto pais, cabe a nós manter a criança livre de perigos que ela não sabe que existem e estão o tempo todo ali, e quando falamos de uma pessoa atípica, o perigo é essa pessoa não ser aceita pela sociedade", afirma.
A servidora terceirizada Vanessa Rangel também relatou as dificuldades que enfrenta diariamente, especialmente diante da precariedade de apoio e acompanhamento em setores públicos de saúde e educação da região e da falta de solidez da rede de apoio dos pais de crianças atípicas, que, mesmo tendo o acolhimento das famílias, acabam tendo que readequar suas vidas e contar apenas consigo mesmos para poder cuidar dos filhos e de suas necessidades. Tanto Daniel como Vanessa afirmam que se tornaram "especialistas", não no transtorno autista em si, mas nos cuidados com os filhos, para poder ampará-los da melhor maneira possível.
ENSINO SUPERIOR - Na abertura da roda de conversa, após os depoimentos, o ex-coordenador da Coordenadoria de Acessibilidade e Inclusão (Cain) e agora coordenador do Centro de Saúde, Marcelo Dias Santana, trouxe a reflexão sobre o papel do ensino superior para as pessoas com autismo, o que esperar de uma instituição de ensino. Ele afirmou que "nós temos o raso discurso de dizer que não estamos preparados, mas os pais também não foram, e cabe refletir que muitas vezes buscamos a formação, mas o que precisamos é de informação".
O aluno do curso de Ciência da Computação Iago Bastos destacou a necessidade de observação do ambiente universitário, do suporte oferecido e da percepção de aprendizado e tratamento de pessoas do espectro. Para ele, a interconexão e a consciência das pessoas ao redor são primordiais para a ação na realidade. Já Daniel, enquanto ex-aluno da Universidade, destacou negativamente a transformação técnica e a pouca integração humana entre as pessoas, questionando a percepção de humanidade dentro do modelo vigente, afirmando que "estamos na vanguarda do ensino e da educação, mas com o método de ensino técnico e conteudista". Analisando a transversalidade dos desafios, ele concluiu que há uma falta de preparação dos docentes, mesmo com todos os aparatos técnicos disponíveis.
POLÍTICAS DE ACESSIBILIDADE - Ainda que com arranjos internos que têm funcionado, Marcelo destaca a necessidade de trazer políticas de acessibilidade para a Instituição a fim de quebrar as barreiras que se apresentam e entender principalmente as particularidades de cada um, pois, ainda que diferentes, todos estão na mesma Universidade. Ao final, o diretor do NTI trouxe a provocação de que a construção de políticas institucionais é fundamental, porém, há uma falta de envolvimento da comunidade. "Nós temos uma comunidade de 15.000 pessoas, mas quantas pessoas participam de uma ação como esta? Quantas pessoas se envolvem? O resultado sempre é cobrado da gestão, mas em momento algum a comunidade se envolveu adequadamente para a construção daquela política". Para Daniel, a participação é fundamental para uma humanização da Universidade.
O pró-reitor de Assuntos Comunitários e Estudantis, Heber de Paula, trouxe a preocupação de, enquanto Instituição, oferecer respostas que sejam planejadas com base na experiência construída dos processos para organizar as ações. Em sua avaliação, não perder as conexões que estão sendo produzidas e provocar a comunidade para se ajudar é fundamental. "Acho que, como comunidade, nós precisamos nos conectar nos canais que estão construídos e disponibilizados. E nossa referência é sempre a nossa Coordenadoria de Acessibilidade e Inclusão, para que a gente se junte no processo dos apoios e auxílios necessários para a busca dos aperfeiçoamentos", finalizou.