Em 2005, um grupo de alunos dos cursos de Artes Cênicas e Música da UFOP mostrou-se interessado em realizar trabalhos assistenciais junto à comunidade ouro-pretana. Após contato com a Fundação Gorceix, deram início às atividades de palhaçaria no Hospital Santa Casa, cuja pediatria acabara de ser reformada pela entidade. Sob a coordenação do professor do Departamento de Artes Cênicas Rogério Oliveira, as ações foram transformadas no projeto de extensão que é mantido até hoje em uma parceria público-privada com a Gorceix. Esse foi o começo da Cia da Gente, hoje com 17 anos de atividades desenvolvidas semestralmente em Ouro Preto, atendendo a Apae, o Lar São Vicente de Paulo, o Hospital Santa Casa, a Pastoral da Criança e da Juventude, o Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi) e o Centro de Atendimento Dom Luciano. Em Mariana, o projeto atende a Comunidade da Figueira.
Em comemoração aos 15 anos de projeto, completados em 2020, foi publicada, no segundo semestre de 2021, uma revista em formato impresso, com contribuições de representantes da Fundação, do projeto de extensão e com um grande espaço dedicado aos seus bolsistas. São eles que compõem as equipes multidisciplinares responsáveis por realizar as atividades nas instituições, muitas das quais atendem pessoas com deficiência e autistas. Nos textos da revista, os estudantes relatam suas experiências no projeto e o impacto da extensão em sua formação pessoal e acadêmica.
A REVISTA - Produzida pela agência Pool Comunicação, a revista apresenta um material gráfico e textual que preza pela qualidade. Mas é fora do papel que o produto apresenta sua principal inovação: suas páginas contêm QR Codes que direcionam o leitor a materiais de audiodescrição de todos os textos, bastando para isso utizar a câmara de um smartphone.
O recurso promove a acessibilidade, como explica o coordenador e tradutor-intérprete de Libras da Coordenadoria de Acessibilidade e Inclusão (NEI), Marcelo Dias de Santana. "A audiodescrição é fundamental para as pessoas com deficiência visual, baixa visão, visão periférica reduzida ou cegueira. Eu acho que hoje é inaceitável não termos isso. As legislações já demonstram e garantem os caminhos para essa construção da inclusão dessas pessoas. Sem isso, o texto em tinta não tem sentido nenhum para esse público", afirma.
Ele ainda explica que, para garantir a eficácia de recursos como esse, é preciso manter um contato próximo com as pessoas que os utilizam, pois apenas elas são capazes de dizer suas verdadeiras necessidades. Marcelo conta que é preciso que exista um profissional que possa desenvolver o trabalho de audiodescrição, assegurando que o texto seja entendido em sua passagem da linguagem escrita para a linguagem falada, indo além das ferramentas automatizadas, que, em geral, geram resultados robotizados e distantes daqueles de quem vai consumir esse conteúdo. Além disso, é necessário pensar no acesso a esses materiais, em como eles vão estar vinculados ao meio de comunicação e em seu processo de divulgação, a fim de garantir que eles realmente cheguem a quem se destinam.
Segundo o atual coordenador do Cia da Gente, Marco Alvarenga, a demanda pelo material com audiodescrição surgiu em consonância com os propósitos da extensão, destacando também a presença de alunos com deficiência no projeto como um fator relevante para esse direcionamento editorial. Já havia sido feita uma revista em comemoração aos 10 anos de atividade extensionista, como meio de registrar as ações da Fundação, porém não houve naquele momento acesso às soluções para acessibilidade, como o uso de QR Codes.
Marco conta que "na revista, já que a gente trabalha o tempo todo com inclusão e acessibilidade, nada mais importante do que fazer um material impresso que também fosse acessível, que permitisse essa acessibilidade, sobretudo das pessoas de baixa visão ou cegas. E nós temos bolsistas com baixa visão no nosso grupo e outros que estão no espectro autista. Nós buscamos selecionar estudantes com deficiência porque isso amplia o nosso olhar e as possibilidades para eles terem potencial de atuação na área em que eles se interessam."
Acompanhando os propósitos da Fundação Gorceix, que promove a assistência social com foco inicial nos alunos da Escola de Minas, o projeto Cia da Gente constitui um exemplo de parceria entre entidade privada, universidade pública e meio social. A partir do apoio da Fundação, que hoje oferece bolsa, vale-transporte e assistência psicológica para 22 alunos, o projeto pôde se desenvolver e ser credenciado pela Pró-Reitoria de Extensão (Proex), ampliou sua rede de atuação e ainda recebeu o Diploma de Honra ao Mérito, entregue pela Câmara Municipal de Ouro Preto em 2017.
ARTE, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE - Marco Alvarenga conta que há muitos anos realiza pesquisas sobre terapias integrativas, em que as artes são usadas como ferramentas terapêuticas. Ele destaca o papel da arte como meio de promoção do bem-estar e do afeto, e explica que tal visão se manteve ao longo dos anos no projeto, ainda que hoje ele não se restrinja aos alunos da área. O coordenador explica que há a continuidade de um programa de formação e capacitação para os alunos, em que são convidados profissionais de áreas afins, como musicoterapeutas, grupos de palhaçaria e ONGs com o mesmo viés da Cia, tendo em vista ainda a ausência de disciplinas voltadas a essas práticas na grade curricular dos cursos de graduação.
"Nós não temos disciplinas específicas com esse caminho nos cursos de Música e de Artes Cênicas. Na licenciatura, nós temos a disciplina de Arte Educação, que é o que está mais próximo do nosso trabalho. A gente se alimenta dessas teorias, mas é basicamente uma pesquisa nossa, com esse caminho de fortalecer as possibilidades terapêuticas que as artes proporcionam. Também incentivamos a participação de alunos em seminários e congressos com temas afins, sendo que o nosso princípio é a acessibilidade e a inclusão", explica Marco.
Sobre a integração entre a UFOP e as instituições que o projeto atende, ele afirma haver uma boa recepção, mostrando que é possível ultrapassar os muros do campus e retornar para as comunidades o investimento feito na formação superior. Este é um movimento essencial, sobretudo tendo em vista o futuro de curricularização das atividades extensionistas na Universidade.
Segundo Marco, "Algumas instituições, como o Lar São Vicente de Paula, hoje só contam com a gente. Nós temos uma atividade sistemática, em que toda semana nós estamos ali, ajudando eles a pensar, a preparar as festividades e momentos possíveis na instituição. Lá nós fazemos reuniões com os fisioterapeutas, com as médicas e os enfermeiros. A gente propõe essa participação conjunta para que eles possam entender também que a arte é um veículo terapêutico. No CAPSi, nós somos integrados à equipe terapêutica".
As atividades promovidas nas instituições atendidas são diversas. Há várias festividades, como a festa junina, na qual, Marco brinca, já se casou diversas vezes. Já as ações de letramento e musicalização tiveram como desdobramentos o Grupo Violão para Todos, aulas de violão realizadas no Centro de Atendimento Dom Luciano, e o Coral Canto da Gente, coral infantil sediado na Igreja Nossa Senhora de Lourdes. Entretanto, são a escuta e o acolhimento os principais elementos citados por Marco para as ações do projeto.
A distribuição da revista é gratuita e, como descrito por Marco, fruto de um "trabalho de formiguinha", que conta com recursos próprios para levar os exemplares às instituições. Todo o material, incluindo a audiodescrição,
pode ser conferido online. É possível acompanhar o projeto Cia da Gente no
Instagram e no
Facebook.