Criado por Administrator em qui, 03/07/2014 - 16:05
Carol Antunes
Pelo interesse nas línguas como herança de épocas anteriores, Estefânia Costa, estudante da pós-graduação em Letras da UFOP, escolheu desenvolver a pesquisa intitulada "Garimpando memória: um estudo sincrônico e diacrônico da terminologia de ourivesaria presente no 'Diccionario da Lingua Brasileira' (1832), de Luiz Maria da Silva Pinto". O objetivo era pesquisar o primeiro dicionário escrito, editado e impresso no Brasil. Sob a orientação da professora Ana Paula Antunes Rocha, Estefânia estudou as origens dos termos de ourivesaria coletados no Dicionário, conferiu se os termos selecionados se encontram presentes em obras lexicográficas de referência dos séculos XVIII, XIX, XX e XXI e se esses mantiveram seus significados, além de verificar se ainda constam como "termos de ourivesaria". O tema da ourivesaria foi escolhido pela forte ligação de Ouro Preto com o garimpo do ouro e a atividade de manejo desse metal.
Para a realização do estudo, Estefânia utilizou a edição fac-simile do dicionário (DLB) disponível na Biblioteca Digital Brasiliana Guita e José Mindlin, da Universidade de São Paulo (USP). Inicialmente, foi feito o levantamento das palavras que remetem ao mundo da ourivesaria. Foram coletados 161 vocábulos ligados ao universo dos metais e da mineração. No entanto, ela optou pela análise de 36 termos que receberam as marcações "T. de ourives", "entre ourives" ou que faziam menção direta ao universo da ourivesaria. Em um segundo momento, os termos selecionados foram organizados em fichas terminológicas. Para cada um dos termos, ela construiu uma ficha que indica se o termo ocorreu ou não no Brasil desde o século XVIII até os dias de hoje, mostrando também a origem desses termos e outras informações importantes para a análise linguística.
Sobre o processo, a pesquisadora explica: "Aguçou-nos o interesse em saber quais termos de ourivesaria seriam selecionados para compor o primeiro dicionário genuinamente brasileiro. Investigamos, dentre outros aspectos, se esses termos continuam dicionarizados, se mantêm ou não suas acepções, se estão sendo usados ainda que não estejam dicionarizados. Por ter ficado praticamente desconhecido pelos pesquisadores até meados do século XX, o DLB merece ser estudado. Acrescenta-se a esse quase anonimato o instigante título da obra: 'Diccionario da Lingua Brasileira'. Em um momento em que a questão da nacionalidade estava em voga, Silva Pinto opta pela titulação "Língua brasileira", diferentemente de "Língua portuguesa", mais comumente usada. Então, seria essa uma obra nacionalista? No decorrer das nossas análises, buscamos responder a essa e a outras questões".
Para completar a investigação, a pesquisadora partiu para o estudo do uso contemporâneo dos termos de ourivesaria. Estefânia aplicou questionários sobre as palavras existentes e seus significados a dez ourives atuantes na cidade de Ouro Preto e região. As questões foram elaboradas a partir de verbetes selecionados, com o objetivo de certificar se tais termos continuam vigorando, se caíram em desuso, se ganharam novas acepções e se outras palavras estão sendo usadas em lugar deles. Para a análise diacrônica, que é análise da língua ao longo de sua história, foi tomado como base, além do "Diccionario da Lingua Brasileira", dicionários de cinco autores: Bluteau (1712-1728), Moraes Silva (1813), Freire (1944), Aurélio (1999), Houaiss (2009). Para a análise etimológica, que é a análise da história e origem da palavra, ela utilizou Cunha (1987; 2007).
Como resultados, a análise de Estefânia apontou uma terminologia de base europeia que, embora em sua maior parte continue dicionarizada e relacionada ao universo da ourivesaria, é pouco conhecida pelos profissionais atuantes em Ouro Preto e região atualmente. Constatou também que, embora inove ao nomear o dicionário como "brasileiro", principalmente porque o espírito nativista dos brasileiros estava bastante aguçado pela recente independência do Brasil, Silva Pinto não reivindica um caráter nacionalista para sua obra.
Dentre as hipóteses elaboradas para o desconhecimento de muitos termos pelos ourives, a pesquisa aponta que cada oficina costuma apelidar suas ferramentas para facilitar o trabalho. Além disso, algumas ferramentas que eram utilizadas há alguns anos já não o são hoje, o que faz com que os ourives mais jovens não as conheçam. Novas ferramentas vão sendo criadas e nomeadas de acordo com as necessidades da profissão e o ofício já não está tanto em alta como já esteve em tempos anteriores.
As dissertações defendidas no Departamento de Letras da UFOP podem ser acessadas pelo site do Repositório da Universidade.