19 de abril, "Dia do Índio", é uma data de luta para os povos indígenas. Instituída em 1943 no governo de Getúlio Vargas com o objetivo de promover entendimento sobre a contribuição dos indígenas para o Brasil e para os brasileiros, a data se tornou um marco da luta dos movimentos indígenas pela demarcação das terras e pelos direitos dos povos indígenas, contra o desmatamento e a invasão dos territórios. As mobilizações se estendem por todo o mês de abril com ações promovidas por representantes de várias tribos, como o Acampamento Terra Livre, em Brasília.
Para conversar sobre a temática, o "Em Discussão" desta semana convida a professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Verônica Mendes Pereira. Na entrevista, ela comenta e exemplifica de que forma os movimentos protagonizados pelos povos indígenas vêm ressignificando a data. Verônica também apresenta uma perspectiva do que se pode esperar para o futuro dos povos indígenas no Brasil.
Professora, o Dia do Índio foi instituído com o objetivo de apresentar aos brasileiros como os povos indígenas contribuíram para o Brasil. Como esse decreto influenciou a vida dos povos indígenas? Como você avalia o impacto desse dia de celebração?
O Dia do Índio, comemorado em 19 de abril, foi instituído no Brasil em 1943, no governo de Getúlio Vargas, através de Decreto, que foi um desdobramento do "1º Congresso Indigenista Interamericano", no município de Pátzcuaro, no estado de Michoacán, no México. Mas, na prática, é uma data que mais contribui para reforçar estereótipos do que para celebrar a diversidade de povos que habitam o Brasil. Esse reforço acaba acontecendo porque nas escolas, local por excelência de comemoração da data, o que encontramos é uma versão generalizada e estereotipada dos indígenas. São crianças usando cocares de penas de papelão, com os rostos pintados e ouvindo histórias sobre os modos e costumes indígenas inspiradas em uma visão dos indígenas do passado. Pouco se discute ou se apresenta desses povos que hoje estão aqui, que estiveram ou estão em Brasília, por exemplo, nos Acampamentos da Terra Livre. Pouco se mostra das suas lutas e resistências. Da sua contemporaneidade. O que é interessante pensar é que o 19 de abril ganha novos sentidos com os próprios indígenas protagonizando as suas lutas e reivindicações, transformando esse dia em um marco para eventos que reforçam os seus direitos inscritos na nossa Constituição, dando, assim, visibilidade às suas lutas, histórias e culturas.
No mês de abril, as ações realizadas pelos povos indígenas em busca de garantir o acesso aos direitos constitucionais se intensificam, o movimento Acampamento Terra Livre (ATL) é um dos exemplos. Qual a importância desse posicionamento e dessa luta para a melhora da qualidade de vida desses povos? Quais mudanças se atribuem a esses movimentos?
No Brasil, de Norte a Sul, encontramos muitas e antigas organizações Indígenas, como a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), a APOINME (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo), a ATIX (Associação Terra Indígena Xingu), entre outras, cujo papel é o de organizar, fortalecer e subsidiar as lutas e demandas indígenas no que diz respeito aos territórios, à saúde, à educação, ao transporte... São organizações fundamentais para que um encontro da dimensão do ATL, por exemplo, aconteça. Essas organizações e associações são, também, espaços de formação política dos indígenas, de onde emergem grandes lideranças. Agora mesmo, no ATL, foram anunciados vários nomes de indígenas que irão concorrer às próximas eleições no Brasil, como o de Célia Xakriabá e de Sônia Guajajara, ambas figuras engajadas, cujas trajetórias de formação estão muito atreladas às suas participações nas organizações indígenas.
Você considera possível ressignificar o Dia do Índio? Como isso seria possível?
Uma forma de ressignificar o Dia do Índio é conhecer melhor os povos indígenas. Para isso, temos a Lei nº 11.645, de 2008, que institui a obrigatoriedade da temática "História e cultura afro-brasileira e indígena" no currículo das escolas de ensino fundamental e médio brasileiras. Mas sabemos que entre a Lei e a sua instituição há um longo caminho a ser trilhado. É preciso, por exemplo, que haja formação para os professores e as professoras para que eles e elas tenham ferramentas que contribuam para o tratamento mais adequado dessas temáticas. É nesse sentido que o Núcleo de Estudos Afro Brasileiros e Indígenas (Neabi) da UFOP realizou, em 2015/2016, o Curso de Aperfeiçoamento em Histórias e Culturas Indígenas, sob a minha coordenação e a do atual pró-reitor adjunto de Graduação da UFOP, Adilson Santos. Formamos 200 professores em todo o país pela Universidade Aberta do Brasil (UAB). Atualmente, estamos realizando o curso de especialização "Educação das relações étnico raciais: história e cultura afrobrasileira e indígena", sob a coordenação da professora do Centro de Educação Aberta e a Distância (Cead) Janete Flor de Maio e minha, como vice-coordenadora, com o apoio do Neabi. São 60 alunos e alunas selecionados entre mais de 800 inscritos. Aliás, o alto número de inscrições em muito nos surpreendeu e aponta para uma demanda reprimida de cursos de formação sobre essas temáticas. Com isso, observamos que há o desejo e a necessidade de um grande número de pessoas de conhecer melhor os nossos indígenas.
Em 2022 o ATL leva a Brasília o tema "Retomando o Brasil: remarcar territórios e aldear a política". Esse é um assunto que se destaca nas pautas dos movimentos. Quais são as perspectivas relacionadas ao futuro das demarcações de terra?
A questão das demarcações das terras indígenas tem sido tensa. Em alguma medida, sempre foi, mas em alguns momentos da história eles são piores. É o caso desse momento, em que direitos já instituídos por nossa Constituição, a de 1988, correm sérios riscos de serem revogados, como o Projeto de Lei nº 191/2020, que libera a mineração em terras indígenas, e o Marco Temporal, que voltará à pauta do Congresso ainda neste primeiro semestre de 2022.
Os povos indígenas e os não indígenas têm visões de mundo muito diferentes. Um lado se percebe como parte integrante da natureza, enquanto o outro lado vê a natureza como uma fonte de recursos a ser usada a seu favor. É possível criar pontes de diálogo partindo de pontos de vistas tão diferentes?
É possível e necessário, e só os povos tradicionais podem nos ajudar a superar essa dicotomia. Porque são eles que estão, desde sempre, cuidando deste nosso planeta. São eles que estão, desde sempre, para lembrar Davi Kopenawa, tentando segurar o céu para que ele não caia sobre as nossas cabeças. Ou, como nos ensina Aílton Krenak, em uma passagem do seu livro "Ideias para adiar o fim do mundo": quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista. Do nosso divórcio das integrações e interações com a nossa mãe, a Terra, resulta que ela está nos deixando órfãos, não só aos que em diferente graduação são chamados de índios, indígenas ou povos indígenas, mas a todos.
Para você, quais os maiores desafios contemporâneos que as comunidades indígenas enfrentam no Brasil e o que esperar do futuro para esses povos?
No momento, percebemos que os maiores desafios encontrados pelos indígenas dizem respeito ao cumprimento do dever, por parte do Estado Brasileiro, em relação às demarcações e manutenção dos seus territórios. A maioria das terras indígenas sofre com explorações ilegais por parte de garimpeiros, fazendeiros e pecuaristas, neste momento, em especial, com o forte respaldo do governo federal, o que significa um enorme retrocesso nos direitos desses povos.
EM DISCUSSÃO - Esta seção é ocupada por uma entrevista, no formato pingue-pongue, realizada com um integrante da comunidade ufopiana. O espaço tem a função de divulgar as temáticas em pauta no universo acadêmico e trazer o ponto de vista de especialistas sobre assuntos relevantes para a sociedade.