Com as adaptações exigidas por uma nova vida em isolamento social, as atividades em grupo foram diretamente afetadas, incluindo os esportes e as práticas de atividades físicas. Neste Setembro Amarelo, com a pauta da saúde mental, o Em Discussão convida a professora da Escola de Educação Física (EEF) da UFOP Siomara Silva para falar sobre a associação entre a prática de exercícios físicos e seus benefícios para a saúde mental.
A professora é coordenadora do projeto Vôlei Maduro da UFOP, que incentiva a prática da modalidade esportiva entre mulheres acima de 30 anos. Na entrevista, Siomara destaca os relatos que recebe das jogadoras do projeto, comenta a adaptação e a importância das atividades físicas na pandemia e ressalta a conexão entre mente e corpo para o bem-estar.
Professora, em um momento atípico como o que temos vivido, a saúde mental se tornou pauta muito importante. Como a atividade física ajuda a lidar com as consequências do isolamento social?
Em um primeiro momento, foi muito difícil pensarmos nas atividades físicas em isolamento social, já que os jogos de esportes coletivos, que são muito comuns no Brasil, trabalham e desenvolvem a questão social, de compartilhamento, de aprender a perder e a ganhar. Ainda está sendo muito complicado em todos os segmentos ligados à prática da atividade física na escola, no clube, na academia e assim por diante. Mas o exercício físico, a prática de uma atividade motora, ajuda muito nas conexões neuromotoras para que tenhamos um grande conforto para lidar com as dificuldades, principalmente neste momento de pandemia. Além disso, elas promovem um conjunto de outras consequências, como as fisiológicas, a liberação de hormônios que contribuem para que possamos manter um pouco da nossa qualidade de vida dentro desse quadro de mudança, quando não temos um repertório prévio no qual nos apoiar para as tomadas de decisões no dia a dia.
A nova vida trouxe também uma fase de adaptação no trabalho. De que forma os exercícios ajudam na produtividade e no conforto físico durante as atividades diárias, por exemplo?
Eles são essenciais! Quem está trabalhando essencialmente de maneira remota tinha uma prática, mesmo que apenas de levantar e mudar de um cômodo para outro. Levantar e andar de um espaço físico para outro já é considerado uma atividade física — não um exercício físico, que é acompanhado, planejado e organizado. Dentro de nossas próprias casas, o movimento se tornou reduzido e, sendo possível o exercício com o acompanhamento de um profissional de educação física, mesmo que remotamente, ajuda muito na estabilização, no uso, no trabalho e no desenvolvimento de músculos que começaram a ser exigidos e que antes eram utilizados numa demanda muito menor. É evidente que toda essa estabilização do corpo, ao sair um pouco da posição sentada e ficar numa posição em pé ou deitada ou se exercitando, ajuda na vida como um todo, tanto na saúde física quanto na saúde mental. Os exercícios não são só importantes, mas necessários para que se possa estabelecer uma vida normal.
Aqui na UFOP você desenvolveu um projeto de vôlei para mulheres a partir dos 30 anos, o Vôlei Maduro. Você ouviu muitos relatos de mudanças em relação à condição física e à saúde mental das jogadoras?
Ouvi sim, de todas! Mesmo aquelas que têm ou tinham uma prática motora ou física e experiência com a modalidade relatam inúmeras melhorias em relação à prática continuada durante o Projeto Vôlei Maduro. As que estavam em um estado de sedentarismo muito grande, em um primeiro momento, relataram todas as características típicas de um retorno ou início de atividade física, como alguns incômodos musculares, que são comuns quando colocamos o corpo em movimento. Porém, os grandes relatos que tivemos, tanto sobre a saúde mental como sobre a saúde como um todo, foram de muito bem-estar. Muitas das jogadoras saíam do trabalho às 17h e, depois de um dia todo praticamente sentadas, jogavam e saíam de lá cheias de endorfina, sorrindo, anestesiadas de felicidade. Esse é um relato dos benefícios da atividade física, principalmente em grupo, que nos foram retirados com o isolamento social. Vamos recuperar esse grupo e virão muito mais pessoas com consciência da necessidade desse tipo de prática para um bem-estar geral do sujeito.
Recentemente, nas Olimpíadas de Tóquio, a medalhista Rebecca Andrade agradeceu a psicóloga após a conquista do ouro. Qual a importância de aliar uma boa saúde mental e treinos para os atletas de alto nível?
Não podemos considerar no mesmo âmbito o praticante de exercício físico e o atleta de alto nível. Atletas, principalmente os olímpicos, sofrem pressões que comprometem a saúde mental. As Olimpíadas de Tóquio revelaram o que é o ser humano atleta. O que aconteceu com a ginasta dos Estados Unidos Simone Biles representa a necessidade do desenvolvimento do atleta como um todo. Saber dizer "não vou competir" em uma Olimpíada é, pra mim, reconhecer a importância da participação de um psicólogo. O dizer "sim" é algo muito comum, mas o "não" é a compreensão do que se passa na realidade de um atleta de alto nível. Nós só vemos o ouro, não vemos ou sabemos o que acontece e não é divulgado. A importância da participação psicológica nas Olimpíadas de Tóquio para mim se deu mais pelo não do que pela medalha de ouro em si.
Qual é o principal incentivo para o começo de uma vida fora do sedentarismo? Quais são os maiores benefícios?
Essa pergunta tem uma grande relevância e poderíamos discutir isso por horas. Hoje, a nossa sociedade é muito focada em alguns conceitos e preconceitos que a própria educação física construiu ao longo da sua história. Infelizmente, a quebra do ciclo de uma vida sedentária acontece muito mais pela questão da saúde. Muitos hoje buscam sair da vida sedentária quando já estão acometidos por problemas decorrentes da ausência da atividade física ao longo de anos, e relatam que vieram em prol da saúde. Mas os benefícios e as dimensões que o esporte e a educação física trazem não só para tirar a pessoa do sedentarismo, mas para fazer com que ela permaneça fora do sedentarismo são o grande desafio. Porque muitos vão às academias, buscam uma prática esportiva, mas quantos desses buscam e não permanecem? Para mim, o que faz com que o sujeito permaneça na prática é a conscientização que vem pelo conhecimento. Nós temos que divulgar os benefícios da prática esportiva, que não são a curto prazo. São investimentos que não acontecem, por exemplo, na procura por academia no fim do ano em busca de um corpo bonito. Não é isso que faz o sedentarismo sair da vida do sujeito. Já existem estudos que mostram que pessoas que têm alguns indicadores de doenças genéticas podem alterar a própria carga genética com a frequência de atividade física. Ainda não se sabe qual frequência, qual tipo de atividade, mas já há indicadores. Não penso só em quebrar a vida sedentária, mas em permanecer na vida ativa.
Quais são os maiores benefícios desse estilo de vida para a saúde mental ao longo da vida?
Há muitos estudos sobre marcadores genéticos de doenças que poderiam ser terminais e que a prática frequente de atividade física fez com que melhorassem. Não podemos falar somente da saúde mental. Temos que pensar que os maiores benefícios são percebidos em uma família, em uma comunidade, quando as pessoas fazem atividade física. Existem benefícios que são políticos, como por exemplo na política de saúde, na redução do recurso que se investe em ter uma recuperação da saúde. Os benefícios são percebidos para a sociedade como um todo. Isso tem um impacto em inúmeros fatores na vida dos sujeitos como um todo, financeiro, cultural e mais inúmeros benefícios que vão durar a vida toda. A necessidade é sempre estabelecer uma vida ativa, principalmente com um profissional de educação física acompanhando.
SETEMBRO AMARELO - Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), organiza nacionalmente o Setembro Amarelo, que se tornou o mês de prevenção ao suicídio. Desde então, a campanha cresceu e, neste período, a saúde mental passou a ser tema constante na imprensa. A UFOP busca manter projetos relacionadas ao tema durante todo o ano, como o Abrace, grupo terapêutico aberto à comunidade da Universidade criado em 2019 e que, desde a suspensão das atividades presenciais, passou a atender remotamente. Outras ações desenvolvidas pela comunidade são viabilizadas pelo Programa de Incentivo à Diversidade e Convivência (Pidic), iniciativa vinculada à Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis (Prace) da UFOP que tem como objetivo implementar atividades de ações afirmativas na Universidade de forma articulada ao ensino, à pesquisa e à extensão, a fim de ampliar as condições de permanência de estudantes da graduação. A Prace também oferece apoio psicológico aos membros da comunidade acadêmica.
EM DISCUSSÃO - Esta seção é ocupada por uma entrevista, no formato pingue-pongue, realizada com um integrante da comunidade ufopiana. O espaço tem a função de divulgar as temáticas em pauta no universo acadêmico e trazer o ponto de vista de especialistas sobre assuntos relevantes para a sociedade.