A Assessoria de Comunicação Institucional da Universidade Federal de Ouro Preto lança nesta semana um novo espaço para divulgação das temáticas em pauta no universo acadêmico. Batizada de "Em Discussão", a nova seção será ocupada por uma entrevista, no formato pingue-pongue, realizada com um integrante da comunidade ufopiana.
A primeira entrevistada é a atual diretora da Escola de Medicina da UFOP, Eloísa Helena de Lima. A professora aproveita as comemorações do Dia Mundial da Saúde, celebrado em 7 de abril, para defender o Sistema Único de Saúde (SUS) e ratificar a sua importância para a formação das médicas e médicos da Instituição.
Doutora em Ciências da Saúde pelo Centro de Pesquisa René Rachou (Fiocruz), Eloísa ministra as disciplinas "Políticas, Planejamento e Gestão em Saúde" no curso de graduação em Medicina, e "Promoção da Saúde" no curso de pós-graduação em Saúde da Família.
Eloísa de Lima: Essa é a perspectiva política do nosso projeto pedagógico. Ensejamos a formação de profissionais capacitados para atuar em políticas públicas de saúde, isto é, para prestar assistência ao Sistema Único de Saúde (SUS), com possibilidades de intervenção em seus diversos níveis: desde a atenção primária, até os serviços de urgência e emergência. Além disso, contamos, também, com a possibilidade de continuação dos estudos no curso de Pós-Graduação em
Residência Médica e, ainda, no Programa de Mestrado Profissional em Saúde (
ProfSaúde), ambos oferecidos pela Universidade.
Seria uma tendência em todos os cursos do país?
Eloísa de Lima: Não se pode dizer que essa é uma tendência para todos os cursos do país. Mas eu diria que todos os cursos de Medicina oferecidos por instituições federais de ensino superior têm em seu escopo a formação profissional para o sistema público de saúde, sim.
De que modo, durante a graduação, o curso de Medicina da UFOP possibilita a integração do estudante com a rede pública de saúde?
Eloísa de Lima: Seguindo as diretrizes curriculares nacionais para a educação médica, priorizamos o contato, desde o primeiro período, do estudante ao cotidiano das Unidades de Saúde da região dos Inconfidentes e de Belo Horizonte.
In loco, é possível experienciar abordagens aplicadas de disciplinas basilares, tais como: "Práticas em Saúde", "Políticas De Saúde", "Epidemiologia", "Vigilância Em Saúde", "Saúde, Trabalho e Meio Ambiente", além das disciplinas específicas da "Medicina de Família e Comunidade", com a entrevista clínica centrada na pessoa. Por fim, a medicina baseada em evidência e os internatos médicos.
Para tanto, estabelecemos como base jurídico-legal o Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde (
Coaps), que, apesar do nome, é um convênio firmado entre as prefeituras e a Universidade para que todos os cursos, incluindo aqueles das ciências biológicas, possam desenvolver e aprimorar a assistência prática exigida para a atuação profissional. Além de fortalecer perspectivas centradas na valorização da escuta, da empatia e da solidariedade – aspectos, para nós, indispensáveis à formação médica.
Quais os principais desafios para a formação dos médicos para a saúde pública?
Eloísa de Lima: São muitos e concernentes ao subfinanciamento da saúde pública no país, principalmente. Nós, professores, enfrentamos um duplo desafio, eu diria. De um lado, é preciso manter profissionais engajados com a profissão. Por outro, é preciso que todos estejam cientes das dificuldades a serem enfrentadas dentro do sistema público de saúde.
Mas isso é parte da vida. Não existe uma "situação ideal", em nenhuma das profissões. Na Escola de Medicina, nossos estudantes desenvolvem pensamento crítico acerca da realidade socioeconômica do país. Aliado, é claro, a uma formação técnica e ética primorosa quanto ao acesso às melhores evidências científicas para o enfrentamento dos problemas de saúde que acometem a população brasileira.
Na sua opinião, os professores e estudantes reconhecem a importância da atuação no sistema público de saúde?
Eloísa de Lima: Sim. Vejo que o investimento do corpo docente em ressaltar a relevância da atuação junto ao sistema público de saúde é feito com tranquilidade. Aos estudantes é estimulado conhecer e identificar as limitações desse sistema e, claro, buscar soluções alternativas com base nas possibilidades que se apresentam.
Existe uma corrente que defende a privatização do SUS. Como a senhora avalia essa proposta?
Eloísa de Lima: Como algo indefensável. Do meu ponto de vista, é inviável que um sistema privatizado possibilite o alcance do direito à saúde para toda a população do Brasil. Vivemos em um país extremamente desigual, injusto, em que políticas públicas de proteção social são fundamentais. O SUS é a maior política pública de saúde do mundo e os resultados observados nos últimos 33 anos de sua existência são suficientes para tal avaliação: Melhoria dos indicadores de saúde da população, redução da mortalidade infantil, aumento da expectativa de vida ao nascer, entre outros.
É preciso, claro, melhorar o aporte financeiro de todo o sistema, mas o dever de garantir aos cidadãos o acesso universal e igualitário ao tratamento e prevenção de doenças deve continuar a ser do Estado. Vivemos atualmente um momento muito crítico, muito duro, muito triste, mas não podemos arrefecer. Precisamos nos manter calmos para enfrentar o grave problema que estamos vivenciando e seguir investindo na melhoria do nosso sistema público de saúde. Mas privatizar o SUS, jamais!
E como a universidade pública pode trabalhar a favor da preservação e manutenção do SUS?
Eloísa de Lima: Bem, a universidade pública pode trabalhar de diversas formas. Nas ações de ensino, de pesquisa e de extensão, por exemplo, desenvolvendo projetos que valorizam a formação profissional e dialogam com a comunidade, principalmente no que diz respeito ao conhecimento popular acerca do funcionamento do sistema único de saúde.
Eu, particularmente, valorizo em especial os projetos de extensão que buscam qualificar a participação social para a condução política na gestão do SUS nos municípios, atuando junto a conselhos municipais de saúde. Hoje, temos em curso o projeto coordenado pelo professor George Coelho no laboratório de Epidemiologia da Escola de Medicina. Um inquérito sorológico sobre a Covid-19 na região dos Inconfidentes, só para citar um exemplo.
E é importante mencionar nesta lista, ainda, o mestrado profissional em Saúde da Família – especialização que teve aprovada, em 2018, a participação da UFOP junto a outras mais de 20 instituições públicas de ensino, incluindo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, na formação profissional direcionada ao SUS. Então, desde o referido ano recebemos médicos, odontólogos e enfermeiros que desenvolvem projetos de pesquisa e de intervenção para a melhoria do SUS e assim também fazemos com os nossos Programas de Internato em Saúde Coletiva e Medicina de Família.
Tudo isso, penso eu, contribui muitíssimo para a politização do debate em defesa do SUS. Insisto muito nesse ponto: o SUS é assunto de política. Sim. É assunto de política e diz respeito à melhoria da qualidade de vida da população brasileira. Então, é preciso reconhecer os avanços trazidos por ele e o potencial, muito grande, que tem em trazer ainda mais melhorias – desde que tomado seriamente como a nossa política pública nacional de saúde.