O "Em Discussão" desta semana é uma homenagem aos 90 anos de idade de uma das pessoas mais carismáticas de Mariana, a professora emérita da UFOP Hebe Rôla. Ela se intitula "gaveteira" — apelido dado aos marianenses. Entusiasta e apaixonada pela cultura local, Hebe conta com orgulho sua história, sua relação com a primaz de Minas e seu papel como educadora.
Hebe Maria Rôla Santos é nativa de Mariana. Nasceu, cresceu e vive até hoje na mesma casa. Escritora, contadora de histórias, pesquisadora da cultura popular e da linguagem dos sinos, licenciada em Língua Portuguesa, Língua Francesa e especialista em Leitura e Produção de Textos pela PUC Minas, atualmente é professora emérita da UFOP e presidente da Casa de Cultura, a Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes. Publicou o livro de literatura infanto-juvenil "Bem-te-sino".
Para Hebe, seu maior legado são os ensinamentos por meio da literatura, das artes, da cultura popular e da linguagem dos sinos. São mais de 70 anos dedicados à educação e à cultura como ferramenta de incentivo à transformação social. A professora considera importante esses estudos para o entendimento da formação das classes menos favorecidas da nossa sociedade.
Hoje a senhora completa 90 anos de vida. Conte um pouco da sua história. Como a UFOP faz parte dela?
Sim, dia 23 de junho viro uma nonagenária. Destes 90 anos, 75 dediquei e dedico à educação. Nasci e vivo na mesma casa em Mariana. Sou com orgulho uma gaveteira, porque conheço as lendas e histórias referentes aos gaveteiros. Sou filha de José de Carvalho Rôla, filósofo, fazendeiro, e de Guiomar Marques Rôla, professora e pianista. A princípio, queria ser advogada, para defender os menos favorecidos, mas percebi que, pela educação e cultura, daria condições de o próprio cidadão defender-se. Sendo assim, fui para a UFOP, onde aprendi para ensinar, conforme a expressão de Sêneca vista na entrada do ICHS (Instituto de Ciências Humanas e Sociais): "Eis a minha alegria aprender para ensinar"*.
Como é sua relação com a primaz de Minas? Quais são os laços afetivos com este lugar onde a senhora nasceu, cresceu e vive?
Alimento com relação a nossa Mariana a ideia de pertencimento. Assim, tenho que viver colaborando para que ela possa preservar-se progredindo. Amo tanto a minha terra que considero qualquer cantinho do município ponto turístico sentimental e levo às escolas seus símbolos, história, suas glórias. Faço isto por meio do hino de Mariana, sua bandeira, seu escudo e seus pontos turísticos sentimentais. Trabalho a literatura oral e as histórias de Mariana escritas em nossa terra com crianças de 4 a 100 anos. Sigo Tolstói: "para ser universal, pinte primeiro a sua aldeia".
Recentemente a senhora foi homenageada com a edição do livro "Hebe Rôla – 90 anos de vida / 75 anos dedicados à Educação e à Cultura Marianense". É vista como referência em muitos aspectos relacionados à cidade de Mariana. Sente-se parte da história da cidade?
Sim. Esse livro é lindo. Ele nasceu da generosidade de marianenses nativos e adotivos da Academia de Letras, Ciências e Artes Brasil e da Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes. Considero qualquer cidadão que se preze ser parte da história de sua terra.
A senhora é pesquisadora da cultura popular e da linguagem dos sinos. Qual foi a sua contribuição para este campo e como percebeu a importância dos sinos para Mariana?
É uma modesta contribuição, mas é efetiva. Considero a cultura popular importantíssima, pois é por meio dela que conhecemos as formas com que os menos agraciados se defendem. Por outro lado, o saber empírico é uma excelente forma de ensino-aprendizagem. Todo mundo tem o que aprender e algo a ensinar. Acordei para a pesquisa da linguagem dos sinos dando uma aula no ICHS em que comparávamos a gramática no que se refere à sintaxe. Havia um exemplo atribuído a Alexandre Herculano que dizia "os sinos, já não há quem os toque".
Com isso eu cheguei à conclusão de que os sinos quase não tocavam em Mariana. Iniciei a pesquisa e publiquei um livro infantil chamado "O bem-te-sino". Com a ajuda de outros professores da Letras, da Educação, com os metalúrgicos, músicos e sineiros marianenses, fizemos excelentes oficinas. Preciso destacar a fundição de um sino que está hoje na capela Santa Teresa, em Bandeirantes, distrito de Mariana. Ele foi fundido na frente de todos que estavam acompanhando a oficina, pelos professores da Engenharia Metalúrgica, da Escola de Minas da UFOP.
A senhora dedicou muitos anos de sua vida à educação. Como percebe os ataques que a educação vem sofrendo, os cortes e a crescente desvalorização da universidade pública pelo atual governo?
Qualquer corte de verbas impede o desempenho e o florescer das ciências. Nós temos que lutar para que essas verbas nunca faltem para quaisquer escolas e centros de pesquisa.
A senhora é a atual presidente da Casa de Cultura - Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes. Qual é a importância da cultura para o atual momento que estamos vivendo?
Sou alicerçada por uma diretoria excelente, por confrades e confreiras que me ajudam. Esta Casa de Cultura, além da Academia, conta com vários departamentos. Por exemplo, o Movimento Renovador, onde nasceram as associações de bairro. Esse movimento hoje ensina e faz bordados maravilhosos. Ele faz com que as pessoas consigam se manter por meio dos bordados. Outro departamento é a Escola de Violão, um projeto muito interessante. O importante é que tudo na Casa de Cultura é gratuito. Nós mantemos a gratuidade de todos os trabalhos oferecidos à comunidade. Há também o coral Madrigal Mariana, que está completando 50 anos. Ele canta geralmente nas festas religiosas, e na Semana Santa ele se manifesta com muito brilho. Temos também uma banda que se chama "Uns e outros". Eles sempre agraciam o povo, na porta da Casa de Cultura, com canções maravilhosas. São cantores e violonistas que compõem o elenco.
Quais atividades desenvolve atualmente? Tem alguma que mais goste ou mais se identifica?
Continuo com as minhas atividades de cultura, educação e artes nas escolas e, especialmente, com as academias infanto-juvenis de Mariana. Neste momento, tenho mantido um trabalho mais assíduo com a Academia Marianense Infanto-juvenil de Letras, onde tenho um encontro às terças e quartas-feiras. É um trabalho que traz excelentes resultados. Também continuo escrevendo, produzindo meus textos e dando palestras nas escolas, por meio de lives, conversando com escolas públicas e particulares de Mariana.
Além disso, outros setores da Casa de Cultura estão se movimentando, inclusive o Movimento Renovador, com os trabalhos de bordado, que está tendo aulas on-line. Esses encontros virtuais também são amparados pela Proex (Pró-Reitoria de Extensão da UFOP), que nos apoia para conseguirmos fazer este trabalho nesta época de pandemia. Entretanto, não estou plenamente satisfeita, pois nem todas as crianças, jovens e anciões de Mariana possuem aparelhos próprios para continuarmos com o trabalho.
Estou pedindo muito a Deus que passe logo este período desagradável para encontrar-me com todas aquelas crianças, de quem tenho muitas saudades, que não têm condições de participar das atividades on-line. Agradeço à UFOP por todo o apoio que já me deu e também à Proex, que me possibilita trabalhar com a nossa cidade.
EM DISCUSSÃO - Esta seção é ocupada por uma entrevista, no formato pingue-pongue, realizada com um integrante da comunidade ufopiana. O espaço tem a função de divulgar as temáticas em pauta no universo acadêmico e trazer o ponto de vista de especialistas sobre assuntos relevantes para a sociedade.
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