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Microbiologista conversa sobre pesquisa e desenvolvimento de vacinas

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Há mais de um ano, o mundo vivencia a luta contra a Covid-19 e a corrida por uma solução para frear a doença, que passa pelo desenvolvimento de vacinas. Para entender melhor o processo de pesquisa e criação das vacinas, o "Em Discussão" desta semana conversa com o microbiologista e professor do Departamento de Ciências Biológicas (DECBI) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) Breno de Mello Silva.
 
Doutor em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Breno leciona a disciplina de microbiologia para cursos de graduação e de biologia celular, virologia e nanotecnologia para a pós-graduação na UFOP. Na entrevista, ele explica os procedimentos para o desenvolvimento de uma vacina e conversa sobre as dificuldades encontradas durante o processo, comentando também sobre a vacinação contra a Covid-19 no Brasil.
 
Para ele, é possível que em 2022 o Brasil volte a um novo cenário de normalidade sem muita restrição social, mas isso ainda não é garantido. Segundo Breno, vai depender da entrega das vacinas já contratadas no tempo planejado, da capacidade de aplicação e do não surgimento de variantes do vírus que possam infectar pessoas já vacinadas. 
 
Quais são as dificuldades encontradas no processo de pesquisa e desenvolvimento de uma vacina?
 
São vários os desafios. O primeiro deles é a escolha da estratégia vacinal, comparação das vantagens e desvantagens quanto ao custo de produção, o tempo de desenvolvimento da vacina e os possíveis efeitos colaterais dessas estratégias. Essa escolha depende do tipo patógeno e de como ele interage com o organismo. Outro desafio é o desenvolvimento e a produção da vacina, que necessitam de equipes muito técnicas e qualificadas, estrutura laboratorial com condições adequadas de segurança e controle de qualidade. Os primeiros testes de segurança das vacinas são feitos inicialmente com animais em laboratório, depois com um grupo pequeno de pessoas. Após a comprovação de segurança e eficácia, o próximo desafio é o escalonamento da produção das vacinas em grande quantidade para imunização da população. Essa etapa envolve direitos autorais e vários acordos comerciais que são também complexos e demorados. Assim que se comprova que a vacina não causa danos à saúde. Novas fases começam, com testes de eficácia das vacinas em mais pessoas, mas a segurança continua sendo avaliada. Esses ensaios são caros e demorados, pois envolvem equipes multidisciplinares e capacitadas. 
 
A urgência para tirar o mundo da pandemia foi um fator que afetou o desenvolvimento das vacinas de Covid-19? O que foi diferente no desenvolvimento desses imunizantes?
 
Penso que essa urgência afetou de forma positiva o desenvolvimento de vacinas, pois facilitou a introdução de novas tecnologias, como as vacinas de RNA, que já haviam sido idealizadas há alguns anos, mas que não eram desenvolvidas devido ao grande temor por parte da população e dos governantes, a meu ver injustificado, de usar essa tecnologia. Este é, certamente, um marco histórico para o desenvolvimento de vacinas, pois permitirá criar novas vacinas rapidamente caso seja necessário no futuro. Além disso, nesta pandemia houve uma união de esforços entre pesquisadores como nunca havia acontecido. Houve um massivo investimento em pesquisa e desenvolvimento de vacinas, métodos de diagnóstico e isolamento e sequenciamento de genomas virais que permitiram acompanhar em tempo real as mutações que foram surgindo nos vírus. Isso será muito útil para adaptar as vacinas já desenvolvidas para melhoria da eficácia contra as diferentes variantes do SAR-Cov-2. 
 
O que interfere na eficácia das vacinas? O que determina que a vacina tenha uma ou mais doses? Quais os riscos de tomar somente a primeira dose de uma vacina que exige duas doses?
 
A eficácia depende de fatores que são próprios dos patógenos, ou seja, da sua forma e da maneira que eles interagem com o nosso organismo, como também de fatores relacionados aos seres humanos, como a intensidade da resposta ao estímulo da vacina, idade, saúde geral etc. O que determina o número de doses é a análise dos testes realizados no início do estudo da eficácia das vacinas. Para algumas estratégias, uma única dose já é suficiente para deixar o nosso corpo bem treinado para combater os vírus. No entanto, para outros tipos de vacina, essa eficiência só ocorre após um segundo estímulo. Nestes casos, se uma pessoa só toma uma dose e não toma a segunda dose que é preconizada, corre um grande risco de apresentar os mesmos sintomas de uma pessoa que não foi vacinada, podendo sofrer sequelas sérias ou mesmo morrer.  
 
Um dos assuntos mais comentados e que impede a produção de vacinas contra a Covid-19 é a falta de insumos. O que são esses insumos? O que é necessário para que o Brasil possa produzi-los?
 
Esses insumos, também conhecidos como Ingredientes Farmacêuticos Ativos, ou simplesmente IFA, são os componentes da vacina que irão simular uma infecção no nosso corpo. Dependendo do tipo de tecnologia usada na geração da vacina, esses IFA podem ser uma proteína do vírus, moléculas de RNA ou DNA, vírus inativados ou vírus recombinantes, que consistem em vírus que não provocam doença em humanos, que são modificados geneticamente para produzir também as proteínas dos vírus que são alvo da vacina. Todos esses IFA são produzidos em plantas industriais complexas que possuem equipamentos caros, pessoal altamente treinado e qualificado, um rigoroso controle de qualidade de segurança que não são encontrados no Brasil na quantidade de que precisamos. Para que o Brasil possa produzir esses IFAs em território nacional, para não depender do envio de países desenvolvidos, é necessário aumentar consideravelmente o investimento dos governos para a manutenção das estruturas já existentes e a criação de novas unidades em outras regiões do país.
 
Podemos esperar o fim da pandemia com a aplicação das vacinas que já estão sendo utilizadas? Se elas não controlarem as transmissões e as mortes, qual é o próximo passo?
 
Há ainda um cenário de incertezas sobre esse assunto, uma vez que estamos demorando muito para vacinar as pessoas e novas variantes têm surgido e colocado em risco todo esse esforço de vacinação. No Brasil, é possível que em 2022 possamos voltar a um novo cenário de normalidade sem muita restrição social, mas isso ainda não é garantido. Vai depender da entrega dessas vacinas já contratadas no tempo planejado, da capacidade de aplicação e do não surgimento de variantes de vírus que possam infectar pessoas já vacinadas. Já para outros países menos desenvolvidos, a pandemia poderá se tornar uma endemia e se prolongar por mais dois, três anos. Para esses casos, o futuro dependerá também do não surgimento de variantes com escape vacinal e do esforço dos países desenvolvidos de produzir e oferecer vacinas para quem não pode pagar por elas. Num cenário de falta de controle de transmissão e de manutenção do número elevado de mortes, o próximo passo será desenvolver vacinas melhoradas para combater as variantes e revacinar as pessoas até que a transmissão seja controlada. 
 
A vacina no Brasil não está acontecendo de forma tão rápida quanto poderia ser, tendo em vista a capacidade que o SUS já demonstrou em oportunidades anteriores. Quais os riscos, caso o ritmo de vacinações continue lento?
 
Infelizmente sim. O Brasil possui uma grande capilaridade do SUS, que permite a vacinação de milhões de pessoas em um único dia. Para vacina de gripe, por exemplo, o país já conseguiu vacinar cerca de 90 milhões de pessoas em menos de três meses. Tomando esse fato como exemplo, se o Brasil tivesse à disposição todas as vacinas necessárias para vacinar toda a população, ou seja, cerca de 450 milhões de doses, é possível especular que quase todos os 220 milhões de brasileiros poderiam ser vacinados em apenas seis meses. Assim, já poderíamos estar livres do uso de máscaras e de volta às aulas e ao trabalho, como já está acontecendo nos Estados Unidos neste momento. Com um ritmo lento de vacinação, corremos um grande risco de ver dobrado o número oficial de mortes de uma doença para qual já existe vacina, pois novas variantes mais transmissíveis e talvez mais agressivas podem continuar a surgir.
 
Em tempos de descrença na ciência, como mostrar às pessoas que a vacina é necessária para um bem-estar e saúde individual e social?
 
Penso que devemos nos manter abertos ao diálogo para ajudar a trazer luz para aqueles que não acreditam na ciência, e não somente nas vacinas. Temos que ser muito pacientes e obstinados para convencer as pessoas de que as vacinas salvam vidas, de que esse vírus é perigoso e de que o ato de se vacinar é também um ato de altruísmo, pois quando você está vacinado você se protege e ajuda a proteger o outro, já que dificulta a transmissão dos vírus. Esse esforço deve ser de todos e não só de cientistas, profissionais de saúde e jornalistas. Devemos discutir esse tema nas escolas, nas rodas de conversa, grupos de WhatsApp e grupos de familiares. 
 
EM DISCUSSÃO - Esta seção é ocupada por uma entrevista, no formato pingue-pongue, realizada com um integrante da comunidade ufopiana. O espaço tem a função de divulgar as temáticas em pauta no universo acadêmico e trazer o ponto de vista de especialistas sobre assuntos relevantes para a sociedade.
 
Confira todas entrevistas já publicadas. 

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