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Políticas públicas para a segurança alimentar

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A alimentação é um direito humano previsto na Constituição, entretanto, nos últimos anos, uma alimentação saudável, de qualidade e em quantidade adequada não tem sido garantida à população.
 
Com a pandemia de covid-19 e o desmonte de políticas públicas de segurança alimentar no Brasil, chegamos a dados alarmantes de insegurança alimentar da população, incluindo a volta do país ao Mapa da Fome. Por isso, é preciso alinhar estratégias em todas as esferas da sociedade para que todos os brasileiros voltem a ter diariamente comida saudável e de qualidade no prato.
 
Para falar sobre o cenário de insegurança alimentar no Brasil, o Em Discussão desta semana traz uma entrevista com o chefe de gabinete da Reitoria da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), o nutricionista Élido Bonomo, doutor em Ciências da Saúde - Saúde da Criança e do Adolescente - pela UFMG, conselheiro Nacional de Segurança Alimentar e atual presidente do Conselho Federal de Nutricionistas. 
 
Élido, com a pandemia de covid-19 o mundo passou por um momento de instabilidade, do qual ainda está se recuperando, com o Brasil voltando a fazer parte do Mapa da Fome da ONU. Atualmente, como estão os dados sobre a fome no país?
 
Segundo os dados do relatório "O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo" (FAO, 2023), os números da fome e da insegurança alimentar no Brasil revelam a triste constatação de que a situação se agravou nos últimos anos. Entre 2014 e 2016, cerca de quatro milhões de pessoas viviam em situação de insegurança alimentar grave no Brasil (fome), correspondendo a 1,9% da população. No entanto, os dados mais recentes, referentes ao período de 2020 a 2022, mostram um aumento alarmante, atingindo 21,1 milhões de pessoas, isto é, 9,9% da população. Além disso, cerca de 70,3 milhões de brasileiros enfrentam algum grau de insegurança alimentar. Esse número indica que uma parcela significativa da população não possui acesso adequado à alimentação necessária para uma vida saudável e digna. O relatório também aponta que a crise da fome não é exclusiva do Brasil, mas sim uma realidade global. É importante destacar que o período analisado pelo relatório coincide com a fase mais severa da pandemia de covid-19. O Brasil registrou um alto número de casos e óbitos, com cerca de 700 mil brasileiros perdendo a vida devido à doença. Isso agravou ainda mais a situação de vulnerabilidade alimentar no país. Além disso, a pandemia teve impactos significativos na segurança alimentar, afetando negativamente a produção agrícola, o desemprego, a renda das famílias e a disponibilidade e acesso aos alimentos. Em 2022, 33,1 milhões de pessoas não tinham o que comer. O 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil mostra que, em menos de um ano, 14 milhões de pessoas entraram em situação de vulnerabilidade alimentar, o que significa que seis a cada dez brasileiros convivem com algum grau de insegurança alimentar. Em números absolutos, são 125,2 milhões de brasileiros que passaram por algum grau de insegurança alimentar. Os autores afirmam que a pandemia foi um agravante, mas a evolução da insegurança alimentar e da fome, independentemente da pandemia, se deu pela ausência ou rebaixamento de políticas públicas que garantem o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) da população mais vulnerável. 
 
Sabendo que a fome no Brasil tem sido um problema que atinge grande parte da nossa população, qual o primeiro passo a ser dado para combatê-la e garantir o acesso à alimentação adequada a todos?
 
Existem várias abordagens que podem ser adotadas, mas o primeiro passo essencial é o compromisso político e social para enfrentar esse desafio. Algumas ações fundamentais incluem políticas públicas efetivas, direcionadas pelo governo para combater a fome, como programas de transferência de renda, equipamentos públicos de SAN (banco de alimentos, cozinhas comunitárias e solidárias, restaurantes populares, etc.), fortalecimento do abastecimento alimentar em localidades distantes, entre outras. É fundamental promover ações para garantir que todas as pessoas tenham acesso físico, econômico e social a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para uma vida saudável; apoiar a agricultura familiar é crucial para aumentar a produção de alimentos, promover a inclusão social, o desenvolvimento local e regional, gerar empregos e melhorar o acesso a alimentos saudáveis; incentivar medidas articuladas com os entes federativos e com a sociedade civil organizada e adotar políticas visando à redução desse impacto em toda a cadeia de produção até o consumo; valorizar a cultura alimentar, a sustentabilidade e a geração de autonomia para que as pessoas, grupos e comunidades estejam empoderadas para a adoção de hábitos alimentares saudáveis e a melhoria da qualidade de vida. Garantir que as pessoas tenham acesso à água potável e condições adequadas de saneamento também é essencial para promover a saúde e a segurança alimentar, sendo importante que haja cooperação entre os setores público e privado, organizações não governamentais e instituições internacionais para fortalecer os esforços de combate à fome.
 
A agroecologia e a agricultura familiar têm sido levantadas como caminhos viáveis para garantir a segurança alimentar da população. Qual o impacto você avalia que elas podem causar?
 
O que esperamos é que a agricultura familiar possa cada vez mais trilhar o caminho da transição agroecológica, saindo da produção convencional de alimentos para a produção de base agroecológica. A título de exemplo, alguns dos resultados que se tem com a agricultura familiar são: sustentabilidade ambiental (mudança no sistema de produção); desenvolvimento rural local e regional; promoção de alimentação saudável e sustentável; inclusão social (geração de emprego e renda); redução da pobreza e insegurança alimentar e nutricional; resiliência a crises climáticas e desafios ambientais; conservação da biodiversidade; menor dependência de insumos químicos; valorização da cultura e tradições locais. Além disso, é importante destacar que a transição para práticas agroecológicas e o fortalecimento da agricultura familiar apresentam diversos desafios, especialmente em contextos em que os modelos convencionais de produção estão estabelecidos há muito tempo e com a desestruturação das políticas públicas. É necessário apoio político, investimento em pesquisa e extensão rural, acesso a crédito, acesso ao crédito e mercados institucionais, incentivos às feiras livres e populares, capacitação e conscientização para promover a adoção dessas práticas.
 
Quais políticas públicas estão sendo pensadas para diminuir os índices de instabilidade e insegurança alimentar no Brasil?
 
Temos visto, no âmbito de alguns ministérios, iniciativas e retomadas de programas que foram abandonados e sucateados por alguns anos, que precisam considerar algumas diretrizes, como políticas públicas que envolvam a preservação e expansão das garantias de direitos. Em especial temos o direito humano à alimentação adequada; a mudança estrutural nos sistemas agroalimentares, considerando a ampliação de investimentos na produção diversificada e sustentável; a proteção da prática do aleitamento materno e da comida de verdade; o incentivo à diversidade alimentar baseada em alimentos in natura ou minimamente processados, preferencialmente de base agroecológica; as políticas fiscais para incentivo a alimentos nutritivos e sustentáveis; a taxação de alimentos ultraprocessados e de baixo valor nutritivo; a redução de perdas e desperdícios de alimentos; as redes de proteção social articuladas a ações nutricionais e ambientais; o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), entre outras. 
 
Quais expectativas podemos traçar para o futuro da população que hoje vive a instabilidade e a insegurança alimentar?
 
Com a reinstalação do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea Nacional), que havia sido extinto no governo anterior, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) volta a ser recomposto e a sociedade civil passa a ter novamente o espaço de formulação, monitoramento e avaliação da Poliltica Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Desta forma, o Consea Nacional volta a incidir junto à Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (que é governamental) sobre o orçamento destinado à política de SAN e ao plano para garantir o DHAA e a SAN. Esta estrutura de Conselho e Câmara existe nos estados e no DF e pode ter também nos municípios, de forma que a sociedade possa contribuir para que recursos sejam destinados para políticas voltadas para as populações mais vulneráveis à fome e à insegurança alimentar. Conferências municipais, regionais e estaduais estão em curso para culminar na conferência nacional de SAN em dezembro, momento em que a radiografia do problema alimentar e nutricional brasileiro estará no centro do debate para apontar ao governo quais prioridades deverão estar contidas no próximo plano nacional de SAN. Claro, as etapas anteriores podem incidir sobre os respectivos governos naquilo que os compete, levando para a etapa nacional aquilo que for de responsabilidade do Governo Federal.
 
EM DISCUSSÃO - Esta seção é ocupada por uma entrevista, no formato pingue-pongue, realizada com um integrante da comunidade ufopiana. O espaço tem a função de divulgar as temáticas em pauta no universo acadêmico e trazer o ponto de vista de especialistas sobre assuntos relevantes para a sociedade.
 
 
Faça a sua sugestão de tema e/ou fonte entre os servidores da UFOP.
 
 

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