O Dia do Professor, comemorado em 15 de outubro, foi oficializado pela primeira vez em 1827, quando Dom Pedro I instituiu o Ensino Elementar no Brasil. Em 1948, Antonieta de Barros, primeira deputada negra do Brasil, apresentou um projeto para retomar a data comemorativa em Santa Catarina. A proposta foi aprovada nacionalmente e voltou a ser celebrada em 1963, no governo de João Goulart.
Marcando essa data, o Em Discussão desta semana traz para o debate o tema "educação". Conversamos com a professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas de Educação (Nepppe/UFOP), Zara Figueiredo Tripodi.
Nesta entrevista foram discutidos os impactos da pandemia na educação, as desigualdades sociais e econômicas e as dificuldades enfrentadas pelos professores.
Anualmente, em 15 de outubro, é comemorado o dia das professoras e dos professores. Como essa celebração pode ajudar no incentivo aos profissionais da educação brasileira?
Ela não pode, simplesmente. Seja no plano simbólico, seja no factual, o dia das professoras e dos professores, no atual contexto, tem pouco a dizer e, menos ainda, a contribuir no incentivo aos profissionais da área. Isso porque a docência, sobretudo mais recentemente, do ponto de vista simbólico, tem sido colocada em questão, juntamente com os saberes historicamente construídos pelas instituições formais, como escolas e universidades, e, factualmente, porque não há atratividade na carreira. Ou seja, o salário da educação básica, por exemplo, é ruim, as condições de trabalho também, e a representação social fragilizada.
A afirmação de que para ser professor é preciso ser apaixonado pela profissão é recorrente, principalmente devido às dificuldades que a categoria enfrenta. Como você percebe essa indicação de uma abnegação necessária dos docentes? Essa questão atravessou sua trajetória?
Acho um equívoco essa posição, que só contribui para a desvalorização e má representação social da docência. Essa ideia de que a docência seria um prolongamento da maternidade ou do seu instinto distorce o profissionalismo e a profissionalidade envolvidos na questão. A educação, assim como todas as outras profissões, é resultado (ou deveria ser) de estudo, investimento profissional, intelectual, produção de evidência para fundamentar o que se ensina e como se ensina.
Essa visão romântica e conservadora da docência tem como um de seus desdobramentos o fato de todo mundo achar que entende de educação e, portanto, de assumirem um tom magisterial ao emitir opiniões sobre o tema. A recíproca, no entanto, não é verdadeira. Nenhuma outra classe admite que se emitam pareceres sobre a área. No Brasil, no entanto, isso tornou-se um lugar comum: todos se tornam atores legítimos para discutir educação — tem-se programa humorístico com algo sério que é "educação" e até técnico de futebol é chamado de "professor".
Estou na educação desde 1989 e nunca permiti que me colocassem nesse lugar. Temos que lembrar que o poder é fundamentalmente relacional, assim, cabe a cada uma de nós aceitar, ou não, esses lugares e estereótipos que tentam nos impor.
As mulheres são maioria absoluta na Educação Básica, o que se altera no Ensino Superior. Elas também têm presença quase nula no cargo maior do Ministério da Educação. As questões de gênero, inclusive com atravessamentos raciais, ainda interferem nas oportunidades de ocupação dos espaços da docência?
Absolutamente, você tem razão. Embora sejamos maioria na Educação Básica, esse quadro se altera se examinamos os dados do Ensino Superior, e piora ainda mais quando levamos em conta áreas como as exatas, e chegamos a indicadores vergonhosos quando consideramos o marcador de raça em interação com o de gênero. E não é apenas na distribuição de cargos de chefia no MEC. Na Capes é a mesma coisa, as coordenações de área, como a de educação, que é bastante feminina, são ocupadas por homens, salvo raras exceções.
Se trouxermos a questão racial para o debate, não teremos sequer um percentual mínimo necessário para fazer uma análise, porque, basicamente, a quantidade de mulheres negras em posições de poder nesses espaços é residual. Não é preciso ir muito longe para essa constatação. Olhemos para nossa própria casa. Quantas professoras negras estão no alto escalão da UFOP? Quantas docentes negras estão nas pró-reitorias?
Geralmente, nos países de maior desenvolvimento social o sistema de educação é valorizado. Qual avaliação você faz sobre esses investimentos no Brasil, em especial no que diz respeito aos profissionais envolvidos no processo de ensino?
Bom, a primeira coisa que se deve dizer é que, no Brasil, a despeito da retórica política, a educação é uma política social que nunca esteve no centro de legitimidade de governos. Em muitos países desenvolvidos, com sistemas de bem-estar social sólidos, existe uma compreensão clara de que melhorar indicadores de aprendizagem, investir na educação, nas várias dimensões, legitima governos, isso porque os eleitores recompensam com votos os políticos que investem nessa área. No Brasil, ainda não conseguimos reconhecer essa dimensão política da educação. Obviamente, deve-se ter em conta o baixo número de anos de estudo da população média, a interrupção democrática com que o país lidou, a apatia política e, sobretudo, o fato de que direitos sociais no Brasil foram alcançados em um momento de supressão de direitos políticos. Isso explica, em parte, a falta de centralidade da educação, enquanto política pública.
Para além disso, mas como parte disso também, tem-se o completo descaso com a área. Como explicar, por exemplo, a proposta aprovada pelo Congresso, na última quinta-feira (7), que remanejou mais de 600 milhões do Orçamento, destinados ao financiamento de pesquisas, para outros sete ministérios, especialmente em um momento em que a ciência e sua importância tornaram-se decisivas? Como explicar que a educação não foi tomada como "atividade essencial" ao se definirem as normas de vacinação, se o país tem na educação básica pública 38 milhões de alunos que precisam da escola?
Especificamente sobre o Ensino Superior, diversas universidades públicas têm exposto publicamente sua dificuldade para se manterem ativas integralmente. Quais os riscos do desmonte das instituições públicas de ensino superior para toda a sociedade brasileira?
Desde a redemocratização e a posterior estabilidade monetária do país, nos anos de 1990, a Universidade nunca experimentou um processo de desmonte deliberado como este que estamos vivendo. A pesquisa está profundamente comprometida, os programas de pós-graduação sem bolsas para financiar trabalhos, os docentes sem fomento à pesquisa, a infraestrutura de laboratórios começa a ruir, pois precisa de manutenção, que demanda recursos, programas que já se mostraram eficazes, como o Pibid, foram drasticamente reduzidos, a carreira está congelada. Veja que, desde 2017, com a Emenda Constitucional nº 95, do teto dos gastos, a universidade pública federal já havia sido condenada. Com a ausência de um projeto educacional para o país, não vejo outra possibilidade, a não ser o fim das instituições públicas de ensino superior, em termos de qualidade e excelência.
Digo aos meus alunos frequentemente que política social demanda recursos, não se faz educação ou pesquisa com boa vontade, voluntarismo ou debaixo de árvore. Não há nada de nobre em professores darem aula debaixo de mangueira. Ora, educação é direito, não é oportunidade. É dever do Estado reverter as riquezas extraídas da sociedade, de todos nós, em forma de impostos, em Estado Social.
A pandemia da Covid-19 condicionou a implantação do ensino remoto sem o devido planejamento. Como você avalia que a relação entre ensino, alunos e professores foi afetada nesse processo?
Foi afetada de tal modo que, se a educação básica e a universidade não tiverem uma proposta clara, sólida, urgente e de qualidade para o retorno, o dano será irreparável. É preciso compreender que a acertada democratização do ensino cobra um preço das instituições educacionais, do legislativo, do executivo e do judiciário. Nós começamos no Brasil um importante processo de democratização da universidade e muitos estudantes de camadas populares entraram para uma instituição elitista desde sua origem. Para esse público, o compromisso da universidade deve ultrapassar a preocupação única com conteúdo. Etimologicamente, o termo universidade já está dizendo qual é a sua função.
Na formação universitária, é imprescindível que estudantes tenham a vivência acadêmica na sua integralidade. Isso significa ir à biblioteca, ao restaurante, participar de apresentações em sala de aula e fora dela, ir a eventos culturais, conviver com o outro, com a diferença, ser formado para a tolerância, tudo isso forma o indivíduo e é papel da Universidade. Todas essas atividades foram comprometidas até agora com a pandemia. Obviamente que esses quase dois anos de instituições fechadas foram necessários, porque o direito à saúde sobrepunha-se ao direito à educação. Mas, agora, se praticamente a totalidade de alunos da educação básica já voltou, quase 38 milhões de alunos, em condições difíceis como são as municipais, não há justificativa para as universidades não retornarem.
O aluno universitário já terá o esquema de vacinação completo ao fim de 2021, aqueles que voltaram para seus estados ou cidades de origem terão o restante desse ano para organizarem a volta à Universidade, que, por sua vez, teve quase dois anos para o planejamento do retorno. Assim sendo, é imprescindível que o ano de 2022 restabeleça a vida universitária e as aulas presenciais.
Ademais, é preocupante e grave que uma instituição pública oferte disciplinas presenciais a determinados cursos e não a outros, seja na graduação ou pós-graduação. Especialmente quando esses "outros" são humanidades e sociais aplicadas, que, como sabemos, são os cursos com alunos mais vulneráveis socioeconomicamente. Assim, a instituição está agindo a favor da meritocracia no que há de pior nela: manutenção do status quo. Politicamente, não devemos esquecer que esses cursos, há muito, são objeto de desejo dos privatistas que ocupam o governo central. A manutenção de modelo remoto ou híbrido depõe contra nossas expectativas e lutas no campo da democracia e da inclusão qualificada.
O acesso e a qualidade da educação apresentam recortes sociais e reforçam o desnivelamento das condições de ascensão social e econômica da população. Quais investimentos sociais, políticos e econômicos precisam ser feitos para mudar essa realidade?
De plano, é preciso que esta seja uma escolha política dos governantes e que a sociedade reconheça como legítimo o governo que priorize a educação, reconhecendo esses marcadores a que você se refere, principalmente o de raça, cujos indicadores são os mais graves.
Eu e um colega do Departamento de Economia, Victor Delgado, estamos desenvolvendo uma pesquisa com esforços próprios, pois não conseguimos financiamento até agora, sobre os efeitos da pandemia nas aprendizagens de alunos negros. O que os dados nos mostram é que o nível de aprendizagem, já em 2019, era inaceitável em qualquer democracia, para o conjunto dos alunos, mas de modo especial para os negros. Com a pandemia, a estimativa é que haja um atraso entre alunos brancos e negros de, aproximadamente, seis anos, no melhor cenário. Isso significa dizer que um aluno negro, ainda que esteja em uma sala de 9º ano, terá aprendizagem semelhante ao nível de 4º ano.
Obviamente, no Ensino Superior o contexto é diferente, mesmo porque não temos indicadores de aprendizagem para fazer essas estimativas. Mas houve defasagens significativas na aprendizagem desse grupo, que terão impacto direto nas gerações futuras, pois os alunos de licenciaturas, por exemplo, que serão futuros professores da educação básica, chegaram à metade do curso sem contato presencial com docentes, colegas, sem vida universitária.
Isso nos leva à terceira questão posta por você, que são os desafios econômicos. Quando estudantes são expostos a experiências significativas e desafiadoras de aprendizagem, na educação básica e superior, eles tendem a recuperar determinadas perdas em termos de aprendizagem. Com isso, quero dizer que o retorno às atividades presenciais, inadiáveis, precisam ter planejamento, clareza na definição de objetos curriculares e, principalmente, princípio de justiça corretiva, que se traduz, por exemplo, em mais horas de aula com qualidade ou educação integral. Mas o que deve ser integral é, antes de mais nada, a educação, não o tempo. Apenas alongar as horas não necessariamente melhora a aprendizagem, muito pelo contrário. Dobrar as horas do que já era de má qualidade só intensifica a desmotivação e o abandono.
E para instituir programas dessa ordem são necessários recursos, que vêm de nossos impostos e do comportamento econômico do país. Mas para que esses recursos tenham esse direcionamento é necessário que os representantes que elegemos tenham compromisso com a educação como um direito, e não como uma "conquista meritocrática".
EM DISCUSSÃO - Esta seção é ocupada por uma entrevista, no formato pingue-pongue, realizada com um integrante da comunidade ufopiana. O espaço tem a função de divulgar as temáticas em pauta no universo acadêmico e trazer o ponto de vista de especialistas sobre assuntos relevantes para a sociedade.