Em análise aos diferentes tipos de intervenção da arquitetura contemporânea em centros históricos, um estudo desenvolvido por arquitetos e pesquisadores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) observou que governantes e classes conservadoras da sociedade seriam mais "permissivos" em relação ao uso dos espaços públicos quando associado à ocupação de veículos automotores particulares, como carros e motos. Por outro lado, haveria maior cerceamento ao uso de praças, largos e monumentos para atividades recreativas ou até mesmo de descanso, sendo que estas são, em esmagadora maioria, muito menos danosas.
A pesquisa, intitulada "Avaliação Pós-Ocupação de Espaços Livres de Uso Público: estudo de metodologias aplicáveis a Ouro Preto", é um dos desdobramentos da tese de doutorado defendida por Alice Viana, professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo (Dearq) da UFOP, em 2019, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Pouco antes do início da pandemia, Alice e Pablo Morais, graduando e pesquisador de iniciação científica, vinham se dedicando ao estudo de alguns dos principais espaços públicos do centro histórico de Ouro Preto, com o objetivo de analisar como eles eram apropriados pela população. Entre eles, a Praça Tiradentes, o Largo do Coimbra, que abriga a Feirinha de Pedra Sabão, e, mais detidamente, a Praça Reinaldo Alves de Brito (popularmente conhecida como Largo do Cinema), que recebe, ao longo dos dias, segundo os autores, um fluxo intenso de pessoas e veículos, sendo um dos pontos mais dinâmicos da cidade.
Entre as conclusões, descobriu-se um grande conflito entre pedestres e veículos — ainda maior no Largo do Cinema, que converge entidades como o Fórum Criminal, o Ministério Público, os Correios, a Casa dos Contos, além de estabelecimentos comerciais. De acordo com os pesquisadores, o conflito tende a favorecer a mobilidade de veículos particulares, que demandam maior espaço para estacionamento, em detrimento da permanência e do conforto dos pedestres.
Por sua vez, os estacionamentos causam maior poluição visual, prejudicando a paisagem arquitetônica da cidade. Além disso, pela própria característica do centro histórico de Ouro Preto, faixas de pedestres e demais mecanismos que garantam a segurança dos transeuntes são inexistentes, o que reforça o argumento dos estudiosos.
"Quantas pessoas são realmente beneficiadas com um estacionamento que abriga apenas alguns carros e motos?", questiona Alice, que considerou, ainda, a opinião de quem frequenta o Largo para obter uma avaliação do perfil dos usuários e as possibilidades de ocupação da praça. "São, geralmente, pessoas moradoras dos bairros periféricos da cidade que trabalham ali, que estão em horário de almoço ou esperando alguém, e que veem nas escadarias do Ministério Público ou do Cine Vila Rica a única chance de descanso entre as atividades do dia a dia", explica.
Coautores do artigo "
Largo do Cinema: o desafio de conciliar o histórico e o contemporâneo", Alice e Pablo defendem o direcionamento dos espaços públicos do centro histórico para as atividades cotidianas de lazer, com a instalação de mobiliários móveis (bancos, mesas e estruturas de sombreamento), melhor iluminação e extensão das calçadas, o que promoveria maior permanência das pessoas em áreas externas aos prédios do município, proporcionando melhor retorno financeiro aos comerciantes, mais conforto aos turistas e, o mais importante, devolvendo o sentido de pertencimento dos moradores de Ouro Preto a esses locais.
Para Alice, reverter o cenário de apropriação dos espaços públicos e históricos da cidade é possível, mas exige o comprometimento do poder municipal e o redesenho dos espaços livres. "Estratégias intermediárias, tal como defendidas pelo urbanismo tático, por exemplo, são baratas e de fácil instalação. Em um primeiro momento organizamos o mobiliário móvel para ver como transeuntes e motoristas reagem a eles. Se todos se acomodam bem, sedimentamos o projeto", diz, lembrando ter desenvolvido uma proposta de intervenção intermediária no Largo do Cinema para a Prefeitura, de acordo com a solicitação feita pelo então Secretário de Cultura e Patrimônio, Zaqueu Astoni.
A proposta, ela conclui, ainda não reflete o que o seu Grupo de Pesquisa e Extensão, o Plus Ultra, defende como o melhor para o espaço do Largo, mas serviria de transição entre a realidade atual e a situação ideal. No entanto, apesar de concordar com a necessidade de melhor qualificar o espaço, a gestão municipal alegou falta de recursos para empreender as reformas naquele momento. Hoje a professora ainda espera o momento oportuno para retomar o tema com a nova gestão.