Durante a infância, as crianças se preparam para o Dia das Mães ensaiando músicas, apresentações nas escolas e confeccionando cartões com corações e todo tipo de presentinhos para reforçar o amor que sentem por elas. Mas, para além das festividades, esse dia tão especial para as mães não deixa de ser um dia de luta e de constatação de que pouco se olha para as mães no restante do ano. Há negligência quando se trata das políticas públicas maternas, tanto dentro quanto fora das universidades.
A duras penas as mulheres conquistaram o direito à educação, a um lugar na academia, e
outras conquistas no espaço acadêmico. Neste 8 de maio, Dia das Mães, elas comemoram as conquistas e pedem mais. Querem mais políticas maternas nas universidades do país.
Para abordar esta e outras questões envolvendo as políticas de maternidade nas universidades, a entrevistada do "Em Discussão" desta semana é a professora Patrícia Valim, do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da UFBA. Há um ano a professora está em cooperação técnica no Programa de Pós-Graduação e no Departamento de História da UFOP. Patrícia também é embaixadora do Parent in Science das regiões nordeste e sudeste. É mãe de três filhos e avó de uma menina.
Professora Patrícia, a baixa representação de mulheres na ciência é uma questão geracional da sociedade. Apesar de um aumento progressivo de mulheres na academia, acontece ainda uma expressiva evasão, à medida que avançam na carreira acadêmica. Qual o fator causador dessa evasão?
As mulheres vão avançando na carreira científica a despeito das adversidades. Quais são as adversidades? A primeira delas é uma ideia equivocada de que a dedicação exclusiva diz respeito a todas as esferas da nossa existência, quando, em verdade, o que se pede como dedicação exclusiva é a esfera do trabalho e da pesquisa; então muitas mulheres se veem obrigadas a abrir mão das suas vidas pessoais em razão da consolidação de uma carreira dentro dos órgãos de pesquisa e das universidades públicas. O que acontece é o seguinte: nos últimos anos, mulheres mães cientistas se organizaram no sentido de problematizar as razões pelas quais nós somos prejudicadas em razão da nossa maternidade. [...] É o inegável impacto que a maternidade tem na nossa vida como um todo. A esfera profissional não fica fora disso, inclusive o maior impacto é profissional. [...] Se somos a metade, caminhando para a maioria — mais de 50% de mulheres cientistas nas universidades —, a nossa problematização dentro do Parent in Science é saber as razões pelas quais nunca se tem uma política acadêmica educacional para diminuição dessas assimetrias entre carreiras de homens pesquisadores e carreiras de mulheres mães pesquisadoras.
A maior parte dos arranjos familiares brasileiros são monoparentais chefiados por mulheres, ou seja, mães solo. Historicamente foi difundido o ideal feminino que limitava as mulheres ao aprendizado de tarefas domésticas e ao papel de cuidadoras. Ainda hoje muitas mães sofrem com as marcas desse ideal e o papel do cuidar é atrelado unicamente a elas. Esse é um dos grandes desafios para que mais mães possam ingressar e ou permanecer nas universidades?
A maternidade no Brasil é compulsória para as mulheres. Por duas razões. Primeiro, o direito de escolher abortar ou não é criminalizado no país, então você não tem uma política de estado que garanta a essa mulher escolher se ela quer levar adiante essa gestação. Há uma questão de que a maternidade é algo exclusivamente feminino, sobretudo nas regiões e nos países com herança colonizadora católica. Nós fomos colonizados por Portugal, que era uma monarquia católica, isso implica em uma maneira de olhar o corpo da mulher, a sexualidade da mulher e a reprodutibilidade de maneira geral. O segundo ponto é que as mulheres não fazem um filho sozinhas, elas fazem um filho a partir de uma relação heterossexual com um homem. A esse homem não é dada a obrigatoriedade da paternidade. A gente tá falando de uma sociedade predominantemente desigual, em que o homem escolhe se quer ser pai ou não de uma criança já nascida. O que é diferente de uma mulher escolher se ela quer levar à frente ou não uma gestação de um embrião. E não há uma política, uma cobrança de que esse homem assuma pelo menos a parte que lhe cabe dentro desse latifúndio da maternidade. E essa monoparentalidade é predominantemente negra e de mulher, então você tem a monoparentalidade negra no Brasil que combina racialização e feminilização da pobreza. A universidade deve pensar políticas públicas que garantam equidade parental e de gênero de maneira interseccional. A monoparentalidade feminina é um fenômeno de exclusão não só na universidade, mas do mundo do trabalho formal.
Atualmente há uma preocupação maior sobre as políticas de permanência para mães na universidade, um grande avanço para os coletivos de mães e pais. Recentemente a UFOP liberou a entrada de filhos e filhas de estudantes nos restaurantes universitários, mas existem muitas políticas a serem implantadas. Existem demandas maternas que são mais urgentes para serem deliberadas na Universidade Federal de Ouro Preto?
Na Universidade, de maneira geral, uma creche que funcione de manhã, tarde e noite, atendendo a comunidade de forma geral com cotas para as docentes, discentes, técnicas e terceirizadas. Acho essa uma política importante. A UFOP é uma universidade madura, das mais importantes do país, e tem tudo para ser um grande celeiro de políticas com recorte da maternidade, a partir não só da presença do ManU, mas sobretudo agora com as Andorinhas, a rede de mulheres da UFOP. O nosso objetivo inclusive é nos transformarmos em uma pró-reitoria, a primeira do país de gênero, equidade e parental. Então, finalizando: creche, RU garantido e bolsa de pesquisa para mulheres mães em todos os níveis da pesquisa.
Apesar dos retornos presenciais de escolas, creches e da própria Universidade, o país ainda está na pandemia. Antes do retorno, muitas mulheres se viram completamente sobrecarregadas dentro de casa. Qual foi o prejuízo para as mães universitárias em relação a suas carreiras acadêmicas durante esse período?
O Parent in Science tem uma pesquisa super importante sobre o impacto da covid-19 na carreira acadêmica e na vida das cientistas no Brasil. O impacto é enorme, sobretudo porque houve um acúmulo de funções, do cuidado da casa, cuidado do filho, cuidado com almoço e jantar, cuidado de tudo mais, e da carreira acadêmica. Há pesquisas sendo feitas para mencionar o impacto emocional disso, não só das mães mas também das crianças, porque quando a gente fala de maternidade temos que levar em conta as crianças também. Eu tenho um filho de 11 anos, e dois anos da vida dele ele passou dentro de casa. Essa volta está sendo muito difícil. Nós não somos mais os mesmos e temos a ilusão de achar que o mundo é o mesmo de antes da pandemia quando não é. As pessoas estão esgotadas emocionalmente, elas estão com trabalhos acumulados e reaprendendo a conviver no espaço público. Então é difícil.
Os coletivos de mães e pais nas universidades possuem papel fundamental na construção dessas demandas para permanência de estudantes com filhos nas instituições de ensino. Mas como os estudantes que querem participar desses coletivos podem conciliar o ativismo, a parentalidade, os trabalhos informais e a carreira acadêmica?
Acho que tem uma coisa fundamental: essa estudante ter uma bolsa. Uma bolsa com valores atualizados. Com bolsas de estudos, creche e RU para as discentes e seus filhos e filhas, a gente consegue uma participação melhor, a gente garante o que a gente chama de letramento político. Muito do nosso baixo desenvolvimento político atual se deve ao fato de que poucas mães têm a oportunidade de se organizar dentro de algum coletivo, partidário ou não partidário. Quando as mães se juntam, muita coisa boa sai dali, muitos programas para que a maternidade não seja um impeditivo para a carreira. Ela ajuda. A maternidade é um ato político de primeira grandeza.
Quais as expectativas para o futuro materno dentro da ciência?
Estamos lutando muito dentro das Andorinhas para garantir representatividade com equidade de mulheres mães em várias comissões, em várias bancas. Então acho que no futuro, eu espero que não tão distante, não haja mais assimetrias entre cientistas homens e cientistas mães. É interessante que a sociedade discuta os cuidados da criança, da casa, da família, seja ela de qual arranjo for, de maneira igualitária entre todas e todos envolvidos; que se tenha a clareza de que todos e que a comunidade é responsável pelo cuidado. E não colocar isso como um exercício exclusivamente da mulher, quando não é. Acho que, em breve, muito em breve, em um prazo de 10 anos, estaremos bem melhor em termos maternos.
PARENT IN SCIENCE - Criado em 2016, o movimento tem como objetivo promover a discussão sobre maternidade e paternidade dentro da ciência. Fundado pela pesquisadora Fernanda Staniscuaski, o movimento conta com embaixadores e embaixadoras por todas as regiões do país.
ANDORINHAS - É uma rede de mulheres que tem como objetivo diminuir as assimetrias de gênero e parentalidade na vida universitária das estudantes, técnicas-administrativas e docentes.
MANU - O Projeto Maternidade e Universidade é um grupo de acolhimento e apoio a estudantes que são mães na UFOP. Forma uma rede de apoio que busca debater questões relacionadas à maternidade.
EM DISCUSSÃO - Esta seção é ocupada por uma entrevista, no formato pingue-pongue, realizada com um integrante da comunidade ufopiana. O espaço tem a função de divulgar as temáticas em pauta no universo acadêmico e trazer o ponto de vista de especialistas sobre assuntos relevantes para a sociedade.